Fernanda Pompeu
Ela era conhecida como a louca de Higienópolis. Perambulava trajando calça de pijama listrada e blusa de vison. Borrava o batom muito além dos lábios.
Não xingava a mãe de ninguém. Não duvidava da heterossexualidade dos homens nem da retidão das mulheres. Mesmo as crianças que a tratavam de forma impiedosa não ouviam dela impropérios.
Andava e cantava clássicos do cancioneiro brasileiro. Moço, olha o vexame, o ambiente exige respeito estava entre suas prediletas. A voz soava aguda e dissonante no último.
Os taxistas, do ponto da Baronesa de Itu com a Albuquerque Lins, noticiavam que ela morava em um prédio na Vicente de Paula. Acrescentavam que a louca recebia a visita esporádica de um homem, misterioso e calvo. Um sobrinho, arriscavam.
Eu morava por ali. Passava meus dias tentado ser uma boa escritora. Quando saía à rua via, muitas vezes, a mulher com calça de pijama listrada e blusa de vison. Encompridava as orelhas: morre hoje sem foguete, sem retrato e sem bilhete.
Uma tarde, lembrei que não cruzava a personagem a algum tempo. Fui na fonte. Um dos taxistas contou que, dias atrás, o sobrinho calvo e uma ambulância pararam no prédio da Vicente de Paula.
A louca não voltou a cantar por Higienópolis. A Telaviv paulistana tornou-se mais tristonha e menos palestina.
29 de mai. de 2009
retrato cantado
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3 comentários:
Esta figura da crônica vivia na porta da Folha, conhecida de todos.
ele me lembra aquelas outras que povoavam nossa infãncia e hoje
estão sumidas, o amolador, o vendedor de bijú...
bjs
carvall
era uma mulher baixa, meio gorda, frequentadora de vernissages, que se assemelhava ao pinguim de Dani Devito?
Fernanda,
Pela sua descrição tive a certeza de não se tratar da Louca de Albano.
Beijos, Cláudia
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