26 de jan. de 2009

Brinquedo de Rico



Hector Plasma

Semana passada a corte paulistana ficou alvoroçada. Quem não leu ou assistiu com certeza ficou sabendo, o maestro John Neschling foi demitido da O$E$P.

Se foi uma decisão correta ou não, no momento pouco importa. É tempo de abordar outro aspecto da O$E$P.

A opinião corrente diz que a O$E$P é um grande orgulho para São Paulo e o Brasil.
Mas orquestra é um grande exemplo de como os tucanos fazem bondade com o chapéu alheio.
O espaço (sala São Paulo) é público, foi reformado para receber a orquestra com dinheiro público.

Além disso, por contrato de gestão (?) o Governo do Estado de São Paulo repassa anualmente R$ 43 milhões. Esse montante significa 20% das aplicações diretas em atividades culturais que a Secretaria de Cultura faz por ano. Repito: 20% de toda a verba para a cultura de um Estado com 41 milhões de habitantes é destinado à O$E$P.

Em compensação as doações em 2007 não alcançaram R$ 1 milhão. Ou seja, ninguém da iniciativa privada mete a mão no bolso.

Os defensores da orquestra argumentam que o investimento compensa e já é visível porque a O$E$P atingiu um nível de excelência presente em poucas orquestras no mundo.


Excelência para quem? Para alguns privilegiados que podem comprar a assinatura? Qual o compromisso que a O$E$P tem com a população de São Paulo? Quantos concertos ela faz ao ar livre na capital? Qual a cidade do interior já teve o prazer de vê-la em sua praça?

Essas perguntas nunca serão respondidas porque a O$E$P é um brinquedo de ricos. E ricos não devem satisfação. Mesmo quando nadam em dinheiro público.

PS: para entender porque a O$E$P é um brinquedo de rico basta ver seu conselho de notáveis

K9 – fenomenal!



Olmeca de Tlachtli

Matador. É isso que podemos dizer sobre Keirrison, o novo camisa nove do verdão.

O cara chegou com pinta de craque e mostrou futebol de craque: duas bolas na trave, dois gols e muito talento. Resultado: 2 x 0 no Mogi Mirim. Sensacional!

O Palmeiras segue firme na liderança do campeonato, mantendo 100% de aproveitamento. Ronaldo who?

O Timão não poderia ficar para trás e conseguiu fazer uma dobradinha fantástica: campeão da Copa São Paulo de Futebol Júnior (2 x 1) contra o bom time do Avaí, num jogo não recomendado para cardíacos! E, de quebra, ainda venceu o Bragantino – pela equipe gente grande – por 1 x0 – gol de Lulinha.

O timão sufocou o Braga durante os noventa minutos, mas perdeu muitas chances. Enfim, uma tarde de molecagem para o Corinthians!

O Tricolor também manteve o nível do ótimo final de semana dos grandes paulistas: 2 x 0 no saco de pancada preferido de São Paulo: A Portuguesa!

Para minha tristeza, Borges o chamado “rei dos gols cagados” não balançou as redes como de costume, MAS como não poderia deixar de ser, o São Paulo abriu o placar com um gol mega cagado: escanteio da esquerda e, gol contra do Ediglê, zagueirão da Lusa.

E o pior: a arbitragem deu o gol para Washington! Isso é que é ser cagado, logo na estréia já ganhar um gol de presente!

O tricolor estava claramente se poupando, em virtude de ainda estar no início de pré-temporada. Por isso deu muitos espaços para a Lusa, e Fabrício Carvalho provou porque é o Mister Magoo do futebol paulista: conseguiu isolar a bola sem goleiro – em tempo: matou uma pomba que voava com garbo e elegância em frente a numerada laranja, digno de nota... – coisas que só acontecem com a Lusa.

Mas, mais cagado que tudo isso junto – se é que é possível – foi a estréia do goleiro Denis! O cara é reserva do reserva do Rogério Ceni – o Bosco – que aliás nunca entra em campo – e veja só que ser iluminado: Rogério bate um tiro de meta, sente o músculo posterior da coxa e pede pra sair, Bosco - que seria seu reserva imediato – também estava machucado, e eis que surge Denis, goleirão contratado há menos de uma semana, e já jogou mais tempo do que o Bosco em um ano!!

E o peixão? Mais uma vez ele: Kléber Pereira. O Santos deveria se chamar Kléber Pereira + 10. Impressionante o faro de gol do predestinado artilheiro!

Bela vitória do Santos, de virada, fora de casa. A atuação de Madson foi maravilhosa, correu muito e ainda foi dele o lance que originou o gol de Kléber Pereira.

Cagados? Predestinados? Iluminados? ...ados? Esse Paulistão 09 promete!

Cornetadas:

Futebol carioca: Rodrigo Pimpão chegou todo pimpão ao Vasco, mas na estréia de pimpa, quem pimpou foi o Americano: 2 x 0 no limitadíssimo time de São Januário. É hora de conter a euforia e jogar mais.

AH! E no jogo do Botafogo? Hahahaha. O juizão estava de brincadeira! Marcou um gol que o atacante do Fogão tinha feito (?) pelo lado de fora da rede! O cara demorou meia hora pra decidir se anulava ou validava o gol: lamentável!

E o Flamengo? Venceu e não convenceu. Aliás, houve um lance do Friburguense (parece nome do frigorífico, né?) gol um gol anulado de forma incorreta.

O Carioca começou muito bem! Uma lambança total logo na primeira rodada! Uhu! Prato cheio para esse blogueiro.

23 de jan. de 2009

isso é que é



Fernanda Pompeu

Esta memória não é minha. É do meu pai. Aí vai o ano: 1942. O mundo em plena Segunda Guerra. O racionamento de energia e o sol, lado a lado, no Rio de Janeiro. Meu pai, com então 12 anos, entra no boteco do seu Joaquim. Mesinhas ovais com tampo de mármore e cadeiras de madeira.
O português pergunta se o garoto quer experimentar uma novidade. Xarope dos norte-americanos, acabou de chegar da fábrica de São Cristovão. Sem titubear, meu pai faz sim com a cabeça. Seu Joaquim põe sobre a mesa uma garrafinha sinuosa com um líquido escuro e frio dentro.
- Cadê o copo?
- Essa é para beber no gargalo mesmo.
O que mais impressionou o garoto foram as borbulhas, a espuma gasosa que saltou goela adentro. Ele lembra que não conseguiu definir o sabor daquela invenção. A única imagem que lhe ocorreu foi a de grãos de areia raspando a garganta.
Mas o resumo é que ele gostou. Nesse mesmo dia, chamou os amiguinhos para provar a Coca-Cola. Tal foi a sofreguidão dos bebedores, que um deles arrotou.
- Olha a educação, advertiu o português.
Depois daqueles goles iniciais, acabou o III Reich, jogaram a bomba em Hiroshima, vieram a Guerra Fria, o neoliberalismo, o 11 de Setembro, o fundamentalista Bush, a guerra do Iraque, a bandalheira dos Bancos e Barack Obama.

19 de jan. de 2009

em Gaza



Palestinos encontram 95 corpos em ruínas de edifícios em Gaza

da Folha Online

As equipes médicas e de resgate palestinas encontraram 95 corpos entre as ruínas dos edifícios atingidos pela ofensiva israelense contra alvos do Hamas na faixa de Gaza, informou a agência palestina de notícias Ma'an.

A polícia do movimento islâmico radical Hamas afirmou que os corpos são, em sua maioria, de militantes do grupo, incluindo ao menos 20 homens armados que morreram em combate, O grupo que tem sido combatido por Israel em uma operação militar que já dura 23 dias e deixou ao menos 1.160 palestinos mortos e cerca de 5.000 feridos. Embora Israel tenha declarado trégua unilateral na noite deste sábado, os confrontos entre tropas israelenses e militantes voltaram a ocorrer na madrugada deste domingo.

Paulistão!



Olmeca de Tlachitli

Começou a tremedeira! Chega de papinho, provocação, fanfarronices, etc.
Agora é a hora que todo torcedor “treme”. O Paulistão vem aí e o bicho vai pegar!
Sim, estimado torcedorleitor (tudo junto mesmo). Esses dias que antecedem o Paulistão são sensacionais, pois todo mundo, do torcedor do timão até o do Juventus da Rua Javari, se sente com todo direito de se achar o próximo campeão e falar como tal.
Se você chegar numa roda de bar, no café do escritório, a conversa será a mesma: “Ah, o timão vai arrebentar os bâmbis no Paulistão!”, “Só se o Ronaldo for arrebentar o calção, de tão gordo que está!”.
E por aí vai. O fato é que agora sim, vai ter café no bule. Os grandes paulistas estão finalizando seus amistosos e o Paulistão 09 tem todos os ingredientes para ser empolgante: Ronaldo Fenômeno, Keirrison, Washington, Lucio Flávio, e uma série de outros astros que com certeza farão desse paulistão um campeonato inesquecível.
Vejo o Paulista como uma pré-temporada de luxo. Perdeu o charme, mas ainda é – disparado – o melhor estadual do país. E esse papinho de que paulistão não vale nada é pura conversa de perdedor. Vale e vale muito para começar o ano com o pé direito.
Eu ainda acho que deveríamos voltar a ter um Rio-São Paulo para começar o ano. Esse sim seria um campeonato aonde teríamos mais emoção, e tornaria o começo de temporada muito mais empolgante.
E você o que gostaria de ver no começo da temporada?
OBS: por enquanto venho apenas aquecendo na minha pré-temporada de Winning Eleven no vídeo game e um futebol society básico.

16 de jan. de 2009

ONGs do bem, ONGs do mal

para Folha de SP de 13/01/09



ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE�

HEFAISTO (Vulcano para os
romanos), Deus grego do fogo,
da forja, enfim de tudo que se
refere à Energia, foi confiada a repar­
tição entre os povos dos atributos re­
lativos ao seu domínio. Convidou en­
tão, Hélios, o Sol, para ajudá-lo na ár­
dua tarefa. ‘Neste país‘, determina
Hefaisto, ‘América do Norte, vamos
colocar os ímpios tornados, os devas­
tadores ciclones (‘hurricanes‘). Neste
‘soi-disant‘ Império do Sol Nascente,
serão concentrados os Terremotos e
Vulcões, manifestações da incontida
energia nuclear contida no núcleo da
Terra. À Rússia, sua Sibéria e adjacên­
cias será conferida a tortura do gelo
perene, da neve de aluvião, e suas
conseqüências, tais como, a quebra de
colheitas e a fome. No oriente, ventos
e tempestades produzirão as mais de­
vastadoras enchentes. No Pacífico,
Tsunamis trarão, vez por outra, fu­
nestas tragédias‘. E assim foi até que
chegou a vez do Brasil. ‘Aqui vamos
colocar os mais benevolentes poten­
ciais hídricos, terras férteis abundan­
tes, a punjante Amazônia, uma gene­
rosa solaridade e regularidade de
chuvas, essenciais para o cultivo da
biomassa. Enfim, tudo que for neces­
sário para uma produção fecunda de
Energia Renovável‘. Hélios, até então
conformado com as extravagâncias
de Hefaisto, se revoltou. ‘Por que esse
desequilíbrio, essa manifesta injusti­
ça, tudo de bom em um único país, tu­
do de ruim nos demais?‘ ‘Calma‘, re­
plica Hefaisto. ‘Espera apenas para
ver a invasão de Ongs verdolengas,
obsessivas, paranóicas, que vão infes­
tar o Brasil‘.

Não nos ocuparemos aqui daquelas
denominadas ‘Ongs do Mal‘. Dentre
elas aquelas cujo propósito único é o
usufruto de benesses financeiras e
materiais. Estas são denominadas
Ongs sanguessugas, nos compêndios
de parasitologia. Nem tão pouco con­
sideraremos aquelas Ongs que sus­
tentadas por Instituições e Governos
estrangeiros, defendem interesses
alienígenas e se mantêm insensíveis
às aspirações do povo brasileiro.

Concentraremo-nos, portanto, na­
quelas denominadas Ongs do Bem.
Vamos também incluir neste conjun­
to, bem intencionados defensores pú­
blicos e autoridades do setor de meio
ambiente. E vamos começar pelo re­
cente leilão de eletricidade que teve
como conseqüência a autorização e
incontornável implantação de cin­
qüenta termoelétricas a combustíveis
fósseis. Argumentam estes missioná­
rios verdolengos que hidroelétricas
reclamam represamento de água e
que represas são prejudiciais ao meio
ambiente, por vários motivos.

Inicialmente porque ocupam o es­
paço do ambiente natural, principal­
mente florestas, ameaçando espécies
naturais e o equilíbrio ecológico. Ora,
qualquer espécie que estiver restrita
exclusivamente à região de uma futu­
ra represa hidroelétrica já está conde­
nada à extinção devido ao espaço li­
mitado. Por outro lado, a questão de
espaço vital é ridícula, pois se assim
fosse, teríamos que secar os lagos na­
turais. A maior diferença entre lagos
naturais e represas é que os primeiros
foram feitos pela mãe Natureza (Jeo­
vá para alguns), enquanto as represas
resultam da ação do homem sobre a
Natureza. No fundo, uma grande par­
cela da aversão dos chamados am­
bientalistas, por represas é de origem
religiosa.

É claro que a introdução de uma hi­
droelétrica mesmo que seja ela de ‘fio
d’água‘ (em que a água represada é
minimizada em troca de perdas de
potência e de energia), provoca mu­
danças no meio ambiente, que aliás
com freqüência são desejáveis, pois
permitem controle de enchentes pre­
judiciais ao homem e ao ambiente em
geral. Mas outras vezes podem de fato
ter conseqüências negativas. Todavia,
os danos causados por termoelétricas
são no médio e no longo prazo, infini­
tamente maiores, devido ao aumento
do efeito estufa e com conseqüências
globais, do que o que ocorre local­
mente como conseqüência da im­
plantação de uma hidroelétrica.

Aparentemente os oponentes à hi­
droelétricas não percebem que a cada
vitória jurídica que obtêm, uma série
de termoelétricas será construída.

Outras destas Ongs do Bem con­
centram seus ataques no álcool com­
bustível. ‘É preciso salvar o cerrado‘,
dizem, ‘é preciso salvar a caatinga, é
preciso salvar as dunas, os pântanos,
o mangue, o deserto‘. Enfim, não se
pode tocar em nada, nem nos 200 mi­
lhões de hectares de pastos. Ou seja, o
Brasil é um museu intocável. Este é o
dogma divino. Não há espaço para a
cana. Temos que nos conformar com
os fósseis poluentes, aniquiladores.
Temos que nos conformar com a mi­
séria do brasileiro.

Os antolhos dessa obsessão, ironi­
camente, fazem com que vejam as ár­
vores e ignorem a floresta. Ou seja,
salvam meia dúzia de espécimes lo­
cais (não de espécies), mas compro­
metem a humanidade e mesmo a vida
sobre a Terra. Que Deus nos livre das
Ongs do Bem, que nós nos ocupare­
mos das Ongs do Mal.
ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE, 77, físico, é pro­
fessor emérito da Unicamp (Universidade Estadual de
Campinas), presidente do Conselho de Administração da
ABTLuS (Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Sín­
crotron) e membro do Conselho Editorial da Folha.

o escriba



Fernanda Pompeu

O sobrado ficava em Pinheiros - a Manhattan paulistana. Ali na Artur de Azevedo, entre a Alves Guimarães e a Cristiano Viana. Era todo inho: modestinho, desbotadinho, bonitinho.
Tinha um janelão que dava para a rua. Atrás do janelão, tinha uma mesa; em cima da mesa, uma remington de aço (feita para durar uma vida toda). Atrás da máquina, um escritor de cabelos brancos. Eu tinha vinte e nove anos e um único sonho: ser escritora.
Às cinco da manhã, eu pulava da cama para teclar, na minha Praxis 20 – uma olivetti eletrônica-, metáforas curvilíneas de um romance barroco Cá Camila, ou uma invenção de Alegria. Romântica e ingênua (dois adjetivos que se atraem), acreditava que escrevia uma obra-prima e não suspeitava que seu destino seria o ineditismo.
A rotina é que passei a vigiar o escritor da Artur de Azevedo. Eu morava na Alves Guimarães e inventava idas à padaria da João Moura, com o objetivo de conferir se meu colega estava trabalhando. Quando encontrava o janelão fechado, maldava: o malandrinho foi passear.
Voltava correndo para casa e me punha a burilar frases estilosas. Horas depois, saía para mais uma volta, encontrava o janelão aberto e o homem atrás da máquina. Rendia-me: o fominha voltou a escrever.
O divertido dessa memória é que nunca soube o nome do homem e nem o que ele escrevia. Romance, poesia, novela de TV, roteiro de cinema? Minha total certeza, 100%, é que não era um blog.

14 de jan. de 2009

Bota o Rei Congo na MPB



Anamaria Leme

Final de semana, a convite de uma amiga e estimulada por uma vontade imensa de "sumir no mundo", acabei indo parar em Atibaia, cidade próxima de São Paulo, produtora de, entre outras coisas, morangos, pêssegos, flores e festivais culturais.

Essa amiga, que há pouco resolveu virar fotógrafa, achou um tema que prometia imagens interessantes: 60 grupos de congada que vinham de todo o estado de São Paulo para um encontro naquela cidade. Eu, adaptando meu conceito de "sumir no mundo", aceitei o convite que parecia encantador. E foi.

Para quem não sabe, a congada é uma procissão que reúne elementos das tradições de Angola e Congo, que aliadas às crenças religiosas católicas resultaram no que podemos chamar de Sincretismo Religioso: os escravos africanos encontraram correspondentes para os seus santos nos santos da Igreja Católica. Desta forma evitavam punições de seus senhores e podiam realizar seus cultos.

As procissões vinham de todos os lados. Saiam da Igreja Matriz, andavam pela avenida em direção à Igreja do Rosário. Na frente, o estandarte, com as cores do grupo. Então, os integrantes enfeitados com fitas coloridas nos chapéus, nas roupas, carregando rosas, seus sonoros penduricalhos, o rei congo e sua rainha, saias estampadas e turbantes, rendas, lembrando as tribos africanas.

Sorrisos abertos e banguelas, rugas profundas, mãos calejadas, gente simples e orgulhosa em dia de glória. Não foram poucos já bem idosos a desfilar com muletas ou cadeira de rodas e crianças em carrinhos de bebê, primorosamente vestidas e adornadas, numa procissão alegre e multicolorida que atravessou cantando e rufando seus tambores e pandeiros por dentro da Igreja do Rosário, arrancando lágrimas do público. Cada grupo com uma característica específica: violas, acordeons, palmas, tambores, pandeiros, chocalhos, guizos, espadas e bastões, utilizados em maior ou menor quantidade dependendo da região de onde veio. Assim também a coreografia, que por vezes era tranqüila, apenas um caminhar em procissão, por vezes complexas, alternando saltos e giros.

Não havia nada dos eventos produzidos no Rio e na Bahia, em que se compram abadás pela internet, e mesmo sem nunca ter ido a um ensaio, é possível "ser" integrante de um grupo. Ali na avenida de Atibaia, todos faziam realmente parte daquilo: pais, mães, filhos, irmãos, cunhados, avôs e bisavôs.

Foi bonito de ver.

Aquilo sim foi musical, popular e brasileiro.

12 de jan. de 2009

Compostela: difícil é sair !



Zio Carva

No meu imaginário: um vilarejo de instalações modestas, precário em tudo. A densa fé pesando sobre os fiéis. Caminhos tortuosos, peregrinos com seus cajados e andrajos, um cachorro capiongo e sarnento. Sacrifício vale a pena, o caminho de Santiago é difícil e demorado para o penitente.
Primeira surpresa, o google indica caminhos plurais traçados num mapa de toda Europa (Saint James Way, em inglês). O mais badalado pela divulgação literária é o do Norte, ou o Caminho Francês. Mas há outros mais maneiros e, pela universal lei do mínimo esforço, escolhi um de Lisboa por trem até o Porto, mais ou menos duas horas. Amigos emprestam um Golf e no dia seguinte, um sábado chuvoso, lá vamos nós. Autovia de primeiro mundo, até a fronteira com Espanha. Daí em diante também, é só ter cuidado com a sinalização. Duzentos e cinqüenta quilômetros em menos de três horas. Os nomes dos lugares, indicados na estrada, são curiosos: Casa do Curto, Picotinho, Ventoso, Coura, Cabaços, Cabeçudos, Antas e, claro, Famalicão onde o bisavô do Carvall comprou um relógio de parede de “A Boa Reguladora” no começo do século passado.
Outra surpresa ao chegar: cidade moderna, com prédios e avenidas, 100.000 habitantes, universidade com 40 mil estudantes de graduação e 3 mil e 500 de pós-graduação, instalada em 1495 (cinco anos mais velha do que o Brasil !) .
Dia de chuva, perto da Catedral (que dispensa adjetivos) um boteco razoável. Um peregrino anedótico, sem cachorro, com mochila e um cajado tosco que parecia alugado para fazer gênero, biritava um escocês “en las rocas” com sotaque carregado denotando língua estranha. Na porta da Catedral apenas um mendigo pedia, agressivo e andrajoso. A igreja é imponente por fora e por dentro, com seu imenso candelabro. Tecnologia moderna permite acender uma “vela” de modo automático: poniendo monedas de um euro acende uma das centenas de luzinhas de farolete que estão dispostas num painel. Começa piscando algum tempo, para que você saiba qual é a sua.
O retorno, de noite e com chuva, foi mais complicado. A ansiedade de chegar ao Porto pois ninguém tem tanta fé que resista tanto tempo sóbrio, mandava empregar um GPS. Aí é que mora o perigo: programando “caminho mais curto” e não “caminho mais rápido” fomos sendo aconselhados por um emaranhado de autovias e autopistas de siglas e nomes parecidos que passavam por vilas e cidadezinhas. Até termos a oportunidade de retornar à via principal passaram horas. Retardando nossa chegada ao Porto com sua fenomenal cozinha e seu espetacular vinho tinto.
Em suma foi bom, mas sair foi mais difícil do que chegar. O Caminho de Santiago de Compostela tem novos segredos a partir da introdução do GPS.

Pelos pêlos



Hector Plasma


Sou um homem que usa pêlos.
Na cabeça, rosto, peito, axilas, nariz, sobrancelhas e no 'etc'.

Mas o imperativo estético que manda retirar a pelagem chegou aos homens.
A depilação não é uma questão que afeta a masculinidade.
Retirá-los é uma afronta ao pensamento e à razão.
Eles estão aí (aqui) para nos amparar nos momentos de dúvida e reflexão.
A cada momento de tensão, as mãos sempre encontrarão uma maciez para aplainar os pensamentos.
Tal qual um Napoleão, as coloco entre o vão da camisa para complementar uma frase ou
preencher aquele tempo entre uma pergunta difícil e a resposta a ser dada. E lá estão eles.

Talvez a expulsão desse anexo da pele reflita um tempo onde o pensamento e a consciência
são obstáculos do progresso.
Retirá-los é um lembrete no nosso corpo de uma sociedade que busca extinguir direitos,
contrastes e nuances para que tudo corra sem entraves.
É uma assepsia do discernimento.

Sou um homem que usa pêlos. E continuarei usando com acento circunflexo

Apita o árbitro!



Olmeca de Tlachtli

Começou!
2009 já está aí e os times começam a se preparar para uma dura temporada.
O Corinthians saiu – teoricamente – na frente dos seus rivais paulistas, começando a preparação antes dos demais. Contratou bem, e manteve toda a base do time campeão da série B.
Ok, pode não servir de parâmetro para você, mas uma das grandes diferenciais do timão para esse ano é simplesmente o fato de ter um time e não um catadão de jogadores.
Por isso, acredito que o Corinthians é um dos favoritos nesse Paulistão.
Diferentemente do seu arqui-rival, o Palmeiras.
O Palestra perdeu inúmeras peças consideradas fundamentais no elenco – mesmo com um parceiro considerado forte (Traffic) –e as repôs com atletas de potencial, porém, que ainda não sabemos o que esperar deles em 2009. Incógnitas.
Para mim, o Palmeiras regrediu. Era um time competitivo, com um técnico de ponta, que apenas precisava reforçar seu elenco com poucas peças. Acabou virando um bom exemplo de catadão. A não ser que consiga manter Kléber “Gladiador” e consiga efetivar a chegada do ótimo Keirrison. Aí a conversa muda bastante.
Se você reparar bem, o Palmeiras começa o ano sem seus pilares de sustentação, e por isso, está atrás dos outros grandes paulistas.
O São Paulo, mais uma vez, começa o ano com o melhor elenco do Brasil.
Além de manter toda a base do time campeão brasileiro, o Tricolor contratou muito bem, e gastando pouco! Chega até a dar raiva!
Arouca, Júnior Cesar, Washington e Eduardo Costa são bons exemplos de jogadores que seriam titulares em praticamente todos os times do país.
Definitivamente, Muricy ganhou um ótima dor de cabeça para 2009.
Já o Santos, apostou em Lúcio Flávio, Madson e no experiente Roni para a temporada de 2009.
O Peixe não possui grandes nomes em seu time. Plantel apenas competitivo, a não ser pelo Kleber Pereira, esse sim, um ponto de referência do Santos.
Aliás, o Klebão merecia um busto na entrada da Vila Belmiro, por ter salvo o Santos de um vexame histórico no último brasileirão.
Muito pouco para um time que viu a série B bem de perto em 2008.
Mas, ainda assim, vejo o Santos na frente do Palmeiras para o Paulistão, pois manteve – mesmo que razoável – uma base já acostumada a jogar junto.
Enfim, jogadores voltam das férias, alguns ainda sentindo um pedaço de pernil com farofa na pança, mas nada que tire a preparação para fazer bonito no Paulistão.

Cornetando:

Pedro Ernesto Py – Vereador e Dirigente do São Paulo – sobre a votação da concessão do Pacaembu ao Corinthians:
“Ainda nem pensamos direito no assunto porque só pode ser uma brincadeira de mau gosto. É um absurdo. O Pacaembu é palco de todos os esportes, de uso dos moradores do bairro, e não pertence só ao Corinthians, mas a Palmeiras, São Paulo, Portuguesa, Santos, Juventus e outros times paulistas. O estádio do Corinthians é a Fazendinha”.

Genaro Marino – Diretor de Futebol do Palmeiras – sobre o elenco para 2009:

“A princípio, poderemos falar que, se definirem estes três (Brandão, Kleber e Keirrison), teremos de 90% a 95% do grupo fechado. Mas vai sempre faltar um ou outro que vamos estar sempre olhando. Não tem elenco fechado”.

9 de jan. de 2009

a barca



Fernanda Pompeu

Antes da ponte Rio-Niterói, a travessia entre as duas cidades era feita, preferencialmente, pelo mar. Quem quisesse cruzar por terra dava uma volta dos diabos. Hoje, as barcas continuam. Mas acredito que a época de ouro tenha sido antes de 1974 - ano da inauguração da ponte.
Digo época de ouro, porque foi a que eu vivi. Meus pais mudaram do Rio para Niterói, porém eu e minha irmã mais velha seguimos estudando no Instituto Lafayette, na Tijuca. De segunda a sábado, pegávamos a barca das cinco da manhã e retornávamos pelas duas da tarde. Não era ruim. Ao contrário, era muito bom. A vista da baía de Guanabara não é paisagem, é privilégio.
A massa de passageiros (é uma embarcação enorme) podia fazer cara de todos os sentimentos. Mas em nenhuma hipótese, estampava expressão de tédio. Aquela travessia, de 30 minutos, era vivida como um parêntese interrompendo as chateações cotidianas.
Na hora de atracar, uma voz, no alto-falante, advertia senhores passageiros, desembarquem com segurança e não esqueçam seus pertences no interior desta barca. A mensagem era sempre essa, como os avisos nas aeronaves, nunca mudava. Por isso, acho que ninguém ouvia.
Mas um dia, talvez a voz tenha se distraído do script, ou se insurgido contra a mesmice. O fato é que escutamos: senhores passageiros, desembarquem com segurança e não esqueçam seus problemas no interior desta barca.
Dessa vez, todos ouviram e a embarcação sacolejou ao som de uma estrondosa gargalhada.

6 de jan. de 2009

Guerra total:massacre de civis

na Folha de S. Paulo de 6/01/09


Paulo Sérgio Pinheiro

Gaza tem a mais alta densidade demográfica do mundo,mais de quatro mil pessoas por quilometro quadrado. Cerca de 1milhão e quinhentas mil pessoas numa área de 360º km quadrados, imprensadas entre o mar, a fronteira com Israel e com o Egito. Em julho de 2005, em missão da ONU, visitei Israel e percorri de carro pelo interior toda a faixa desde a cidade de Gaza até Rafah. Voltei pela costa , desde a muralha de ferro marrom qual uma escultura de Richard Serra, na fronteira com o Egito, visitei os campos de refugiados da guerra de 1967, mais espremidos ainda, em frente à praia. Puro engodo bombardeios aéreos israelenses com ‘precisão cirúrgica‘. Impossível ali evitar vítimas civis como dano colateral‘. Não há para onde escapar.

Em menos de uma semana 512 palestinos foram mortos, um quarto das vitimas, segundo a ONU, civis, mulheres e crianças, além de 2000 feridos, os hospitais não dão conta das amputações. 31 soldados israelenses foram feridos nos ataques por terra e quatro civis israelenses foram mortos por foguetes de grupos do Hamas . A desproporcionalidade, entre a guerra total de Israel e os ataques de foguetes do Hamas ou a resistência a atual ao ocupante israelense , dos dois lados crimes de guerra sendo cometidos contra as populações civis, fica patente. Apesar do bloqueio da entrada de qualquer jornalista ocidental: o ocupante não quer testemunhas do massacre .

Israel, ao estrangular ao fechar os acessos da fronteira de Gaza há meses, descumpre suas obrigações como potência ocupante e pune coletivamente a população civil. O sistema de água e esgoto beira o colapso pois os bombardeios que destruíram as linhas de eletricidade e há meses não houve combustível para gerar energia . Estão sendo sistematicamente arrasadas , em flagrante descumprimento das convenções de Genebra e seus dois protocolos, escolas, hospitais, ambulatórios, e famílias, mulheres, crianças aterrorizadas. Apesar de 30 caminhões com viveres e medicamentos terem sido autorizados a entrar em Gaza nos últimos dias, dificílimo fazer chegar esses estoques a população pela ausência de corredores humanitários.

A oposição dos Estados Unidos a um cessar fogo e a um mero comunicado de imprensa ou declaração do presidente do Conselho de Segurança da ONU confirma esse apoio escancarado a uma das partes do conflito. Entre os países árabes há enorme divisão de posições em relação ao Hamas. O emir do Qatar há pouco propôs um cessar fogo e apontava que ‘os horrores ocorrendo na faixa de Gaza obriga os líderes das nações árabes a se moverem‘ e clamava para a necessidade uma cúpula árabe para uma tomada de posição consequente. Quanto à Europa, desde a eleição do Hamas , foi incapaz de ter qualquer iniciativa autônoma em relação ao governo Bush. Some-se a inação do enviado especial do quarteto para a Palestina Ocupada (Rússia, Estados Unidos, União Européia, ONU), Tony Blair, que nunca pôs os pés em Gaza. Apesar da atual presidência tcheca da União Européia atestar que a guerra deflagrada por Israel é °defensiva ‘, a França condena o ataque por terra e o Reino Unido a deplora (o estoque de verbos diplomáticos é inesgotável!). Na pasmaceira habitual da comunidade internacional, releve-se o firme repúdio expresso pelo governo brasileiro à brutalidade e desproporcionalidade da ofensiva de Israel contra Gaza.

Está demonstrado que o não reconhecimento das eleições legitimas (referendadas por Jimmy Carter) que levaram ao poder o Hamas e sua classificação como movimento terrorista foi uma decisão equivocada. Amadorístico foi o apoio exclusivo dos EUA e da Europa ao Fatah e ao presidente Mahmud Abbas, na Cisjordânia ocupada, na esperança de que a população de Gaza deixasse de apoiar o Hamas . Essa política desastrada de isolamento do Hamas transformou Gaza num enclave condenado a condições de vida cada dia mais semelhantes aos bantustans do regime da apartheid sul-africano.

O que se pode esperar nos próximos dias? Nada ou muito pouco, a não ser a intensificação da dança diplomática de visitas a Jerusalém e a Ramallah, sede da Autoridade Palestina, no pano de fundo, bombardeios, o avanço da invasão por terra (e mar), a reocupação, massacre de civis, mais foguetes do Hamas, a caçada letal aos líderes do Hamas ( e o trucidamento de suas mulheres e crianças )e mudança de regime em Gaza dissimulada. Tudo deverá continuar até 20 de janeiro quando tomará posse o presidente Oba ma, do qual se poderia esperar ao menos uma lamentação pelas perdas civis. Trágico começo de ano.

Paulo Sérgio Pinheiro , 64, é professor adjunto de relações internacionais na Brown University, EUA, pesquisador associado do NEV/USP e membro da Comissão Teotônio Vilela. Foi secretário de estado dos direitos humanos, no governo Cardoso.