21 de out. de 2009

rio

2016 problemas (e muito mais)






Amanda Andrade

Há algumas semanas que só se ouve falar no Rio 2016. Sim, os jogos olímpicos serão realizados na "cidade maravilhosa".
O Brasil passou por cima de grandes potências como EUA, Espanha, Japão. As mesmas figurinhas em um jogo de disputa pelo poder. Mas para mudar todo esse contexto, lá estava o Lula acompanhado de sua comissão. E chorou, por mais uma vitória. Desde então, todos os telejornais, programas esportivos, revistas e todo o resto do país só falam disso. Não há como escapar, o assunto é certeiro em qualquer roda de conversa. Penso, insistentemente, na pergunta iminente da oposição: será que estamos preparados?
Não me sai da cabeça a morte do garoto João Hélio, arrastado por quilómetros pendurado no cinto de segurança do carro de sua mãe. Penso na dor das famílias que perdem seus entes queridos diariamente na guerra civil que virou rotina na cidade. Será que teremos que pedir ao tráfico mais uma vez uma trégua para que os jogos aconteçam e consigamos transitar sem medo pelas lindas praias que o Rio oferece? Em qual proporção crescerão as favelas nos morros, quantas crianças e adolescentes perderemos para o tráfico até 2016?
Esse final de semana ao menos 12 pessoas morreram no confronto de policiais e traficantes. Para a bala e o gatilho não existe diferença entre policiais, bandidos (que nessa altura confundem-se entre si) ou inocentes. No fim são apenas números nos noticiários, casos a serem investigados, índices nas pesquisas, percentagem dos acontecimentos.
Como se não bastasse, ainda há problemas de poluição, falta de estrutura no transporte público, trânsito caótico, saúde falida, educação precária, certeza da superfaturação de obras, governo fraco e povo oprimido pela falta de ações efetivas. Não será fácil, em apenas 7 anos tudo isso ter fim. Um povo hospitaleiro que supostamente aceita a diferença dos povos não resolve o problema, como o que foi mostrado no vídeo de incentivo para a vitória do Brasil. Não adoto aqui um discurso pessimista, mas realista, infelizmente. E para não dizerem as más línguas, eu espero que tudo dê certo, afinal, somos brasileiros e não desistimos nunca, já dizia alguma peça publicitária.

19 de out. de 2009

rascante






Fernanda Pompeu

Deu no diário espanhol El País de 4 outubro: na Inglaterra, cerca de 80% das salas de aula passaram a usar a lousa digital interativa. O quadro-negro - presente no mundo desde o século XVIII - bate em retirada.
E daí? Objetos desaparecem. A navalha cedeu ao barbeador de gilete, o de gilete ao elétrico; o telefone fixo ao sem fio, o sem fio ao celular.
Assim caminha a humanidade. Mas os objetos evocam emoções. O quadro-negro, ou lousa, confundiu-se com o processo de escolarização. Saltou de placa de ardósia a símbolo da sala de aula.
Também símbolo da ribalta. No meu Grupo Primário, havia um tablado, onde ficavam a professora e o quadro-negro. Quando um aluno era chamado à lousa, uma faísca de expectativa temerosa transpassava os pulmões.
Era uma espécie de tribunal: ou o réu sabia escrever a quilométrica inconstituicionalissimamente ou não; conseguia dividir 55 por 12 ou não. Seguiam-se marcas de júbilo ou de humilhação.
Espantosa solidão. O pequeno ser diante da lousa imensa. Lembro-me de um episódio. Intimada ao quadro, peguei o giz e representei o número 7. Ao contrário.
A turma inteira riu. A professora apontou-me o dedo e proferiu onze letras matadoras: menina burra!

Atendimento Médico






Jetinho


O Juca advogava para uma grande empresa metalúrgica. Quando era necessário algum deslocamento, a empresa disponibilizava um carro para leva-lo onde fosse necessário: outra cidade, fóruns ou aeroportos. O motorista era o Luiz (conhecido como “Queijinho”, por ser mineiro, com direito a sotaque e tudo). Toda vez que o dito cujo era escalado para transportar o Juca ele se esmerava no que poderíamos chamar de “erudição particular”. Era o Juca entrar no carro e o Queijinho soltava uma: “Doutor, este tempo esta precaubiando uma chuva!”. Explico. Precaubiar, no idioma falado por ele, era a possibilidade de acontecer, ameaça. Certa vez, ao buscar o Juca, este notou que o Queijinho estava extremamente triste. Preocupado, perguntou: “Luiz, o que está havendo?”. De imediato, ele respondeu: “Sabe o que é, doutor. Minha esposa está com fibronha. Terá que se subverter a uma introversão siderúrgica”. A princípio o Juca não entendeu nada, mas, ao parar para pensar e no continuar da conversa, conseguiu decifrar o enigma. Traduzindo. O mal que acometia a mulher dele era um fibroma e, para que ela pudesse se recuperar, teria que se submeter a uma cirurgia (“introversão siderúrgica”). É claro que, para nossa felicidade, a “introversão” foi um sucesso e, ainda outro dia, encontrando o casal, que fez questão de demonstrar toda sua satisfação em nos encontrar, o vimos feliz ao nos dizer que ela gozava de “prena saudabilidade”. Foi fácil constatar o resultado. Ainda bem que foi atendida por “processamentos siderúrgicos” de qualidade, como bem disse ele!

12 de out. de 2009

O bom e velho rock and roll






Amanda Andrade

Quando eu era criança, meu pai ouvia música clássica, minha mãe Roberto Carlos e meu irmão o tal do rock and roll. Aprendi alguns anos mais tarde com minha tia querida a também apreciar a MPB. São todas essas influências que me acompanham até hoje.
Na adolescência vivi uma fase punk rock anarquista rebelde: Ramones, Sex Pistols, Garotos Podres, Cólera. Uma mistura de som, fúria, ideologia e aparências que me garantiram bons momentos.
Ouço na TV uma grande premiação de bandas nacionais e não reconheço nada da nova geração. Vejo Paralamas do Sucesso e me tranquilizo e penso que apesar de super ativa, a banda tem início lá nos anos 80. Estou velha. No trânsito procuro sintonizar algumas rádios diferentes e ouvir um pouco do que acontece fora da minha rotina. Não gosto, na maioria das vezes. Volto então ao de sempre, pois na música prefiro a repetição do mesmo à barulheira da novidade.
Esse final de semana viajei e fui a um bar do interior. Faço parte da roda dos universitários da melhor faculdade da região. Todos, sem excessão, entoam numa só voz, como hinos, canções sertanejas. Lembro do meu passado, da minha infância em Minas. Sorrio. Não canto nada, não conheço e tudo parece tão óbvio que chego a ficar constrangida por estar tão "por fora". O local, o clima e a profissão das pessoas interferem diretamente no que elas ouvem e no que elas são. Penso nas músicas que escuto e percebo um tom tão urbano nelas. Tomo mais um gole. A visão fica turva, as pernas amolecem. É hora de voltar para casa. Voltando para São Paulo, chego à conclusão: respeito todos os estilos de vida, mas nada melhor que o meu bom e velho rock and roll. Como é bom voltar.

5 de out. de 2009

Birthday






Jetinho

O Juca foi fazer um curso de especialização nos “States”. Com ele também viajou o Gerson, seu colega de trabalho (ambos iam pra mesma universidade). Como bom caipira que era, o Juca queria conhecer um cassino. Perguntando a um de seus professores, foi informado que no “Marriot” de Dallas tinha um, no mezanino do hotel. Rumaram para lá Juca e Gerson (não parece nome de dupla caipira?) e ao entrarem ficaram extasiados com a beleza do lugar. Andando entre as mesas de roleta e “Black Jack” viram ao fundo um “pub” e resolveram tomar uma cerveja. Perto de onde ficaram (ponta do balcão) havia uma família de negros jantando. De repente um garçom (também negro) trouxe um bolo de aniversário num carrinho com aquelas velinhas que soltam faíscas. A família entoou um sonoro “happy birthday to you” que, inadvertidamente, foi acompanhado pelo Juca. Suspense. Todos se calam e um “gigante de ébano” se levanta, vem em direção do Juca e diz: “- Você está pensando que somos palhaços” (em inglês, é claro). O coitado (jackass) ficou suando frio e tentou explicar ao “armário” que em nosso país (sim, ele falou que era brasileiro!) era costume todos acompanharem em situação como aquela. Novo golpe. O sujeito falou: “- Você não está em seu país. Aqui é a América (grande b..., pensou)”. Estas palavras pareceram um código. Todos os outros “cavalheiros” da família se levantaram e vieram na direção dos dois. Nisto, o Gerson saiu correndo, deixando o Juca sozinho na “roubada”. “F da P!”, pensou o Juca; e o povo vindo em sua direção. Quem chega? A “7a Cavalaria” (os seguranças do hotel), conduzida pelo Gerson. Os “marines” conseguiram contornar a situação e “sutilmente” solicitaram que ambos se retirassem do recinto. O que faria Obama?.

Primavera de paulista






Amanda Andrade

Abro a janela e a manhã é clara, o sol ameno. Um dia atípico na terra da garoa. Será que vai durar até quando? Pego meu casaco por via das dúvidas, afinal, nunca se sabe.
A brisa causada pela velocidade na rodovia traz apenas boas lembranças. São poucos minutos, mas a sensação de bem estar é duradoura.O céu é azul claro, único. Olho no relógio, vejo as horas, a data no canto do painel. Estamos em outubro, logo logo começam a brotar as luzes do natal. Há tempos não sabemos o que são as estações do ano, mas o mês me faz relembrar. É primavera. A mudança no meio do concreto é sutil, mas perceptível. A rotina nos dá alguns privilégios, como observar todos os dias as mudanças dos mesmos lugares. Há um colorido nas árvores, e no chão formam-se mantos de pétalas das mais diversas formas e cores. Me perco nos meus pensamentos mais profundos olhando o colorido das calçadas. Escuto uma senhora reclamando da "sujeira da árvore". Em setembro pude reparar o ápice de algumas árvores carregadas de flores e que agora começam aos poucos a retomar seu verde habitual. Talvez seja de tanto ouvir a senhora reclamar de sua sujeira. O dia passa lentamente, ao meio dia há um calor tórrido que me lembra as férias de janeiro. A tarde vai aos poucos dando espaço para a lua, e assim também vai caindo a temperatura. Coloco a blusa, afinal, começou a esfriar. Já é noite em São Paulo.

bastidores






Fernanda Pompeu

Gosto de averiguar o que existe por trás da sala de visitas. Enquanto não conheço a cozinha e os quartos de uma casa, levo a frustração de não ter entrado nela.
Também é assim com os ofícios. Quero saber do segredo que faz o petisco de uma quituteira ser melhor do que de outra, ou por que um piloto pousa como uma pluma na pista de Congonhas e outro aterrissa como um elefante.
Mas o que mais me fascina são os fundos. As áreas de serviço dos apartamentos e os quintais das casas. Posso passar horas olhando roupas penduradas em um varal. Calças, sobretudos, fronhas, saias, camisetas.
Observando-as faço um mapa dos moradores, criando um território. Sei se há crianças na casa e suas idades, se a mulher trabalha no escritório ou no armazém, se o homem é mecânico ou médico.
A gente conhece muito da natureza das coisas e das pessoas quando ultrapassa o arrumadinho delas. Porque as coisas e as pessoas têm a cara da frente e a cara de trás. Algumas caras dialogam; outras, esgrimam.
Domingo passado, estive na casa de uma amiga, no bairro de Santa Teresa, Rio. A janela do quarto onde dormi dava para o quintal. Através dela eu avistava o Castelinho do Valentin – construção centenária.
Melhor, avistava os fundos dele. Um convite para a imaginação cantar.