17 de abr. de 2009

eternidades




Fernanda Pompeu

Meu amor por materiais de papelaria – cadernos, lápis, canetas, borrachas, bloquinhos – funcionou como amortecedor para um trauma da infância.
Conto: ao entrar na escola, no lugar da balbúrdia, ouvi ais e sussurros. Maria do Socorro (a quem chamávamos Mary Help) havia morrido. Ela tinha sete anos. As professoras, entredentes, comentavam: meningite meningocócica.
Daí era certo que se morria. Era fato que se findava, se acabava, se evapora, se desencarnava, se desencantava, se dissolvia. Não só os velhos, crianças também.
A diretora, magérrima e mandona, organizou a saída. Todos em fila indiana, expressamente proibidos de articular perguntas. Muitos de nós íamos para o primeiro enterro de nossas vidas.
Caminhos em zigue-zague। Chão de terra batida. Um sapo saltou. Um medo sem fim. Meus sapatos nas pedrinhas sopravam: a morte é isso. A morte é isso
No momento do sepultamento, começou uma chuva fininha. Ventava, os ciprestes envergavam.Tudo parecia aumentar os decibéis da tristeza. O caixão miúdo, o pranto dos pais, os cenhos sisudos dos adultos, nossos arregalados olhos.
Novamente, nos puseram em fila indiana. Então, bem aos meus pés, eu a encontrei. Abaixei rapidamente. Peguei com força. Era uma borracha Faber-Castell, das grandes. As que minha mãe comprava eram pequeninhas.
O coração sossegou. A borracha desembaralhou os nós da garganta. Teci um consolo: se Mary Help não tivesse morrido, eu não teria encontrado a Faber-Castell.

3 comentários:

Anônimo disse...

Ai Fernanda, coitada da Mary Help, por uma borracha!!

Anônimo disse...

Fernanda,
Que bom que para você ficou a Faber Castell.
Para mim, ficaram a bronca do papai, a irresponsabilidade da diretora e o perigo do contagio que certas doenças apresentam.
Beijos, Cláudia.

Fernanda Pompeu disse...

Claudia, repare que a essa coisa da memória é impressionante. O que fica para uma pessoa pode ser bem diferente do ficou para outra. Existe o real? Não Existem os reais.