13 de abr. de 2009

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Fernanda Pompeu

Esqueci do rosto da primeira professora. Mas lembro da mão dela sobre a minha me ensinando a grafar a letra h. Esqueci o nome da amiguinha que sentava ao meu lado, mas lembro que ela desenhava borboletas no caderno de caligrafia.
Recordo a delícia do primeiro beijo de língua, mas não lembro da boca de quem beijei. Recordo a euforia ao publicar o texto de estreia, mas escapa-me o título e o assunto.
Lembro das histórias que minha avó Afonsina narrava, todas ambientadas no seu amado Ceará. Apuro os sentidos da afeição, mas o tom de sua voz não vem.
Não esqueço o tapa que uma estranha estalou na minha cara. Não esqueço que era de manhã e que o sol estava inclemente. Mas, por mais que me esforce, não lembro de como reagi.
Recordo de um homem atropelado por um bonde na cidade do Rio de Janeiro. Lembro que ele era jovem. Lembro que era negro. Porém não sei contar o quanto durou sua agonia.
Perdi um cachorro de estimação, mas não lembro em que rua, em que cidade, em que país. Não sei quando perdi uma memória que carregava comigo. Só recordo que foi num dia desses.

2 comentários:

martha disse...

ai meu Deus, isso me parece a obscura visita do "maldito alemão".

Fernanda Pompeu disse...

Martha, a memória só existe por que existe o esquecimento. Dependendo do ponto de vista, o maldito pode transformar-se em bendito. Mistérios. Obrigada pela leitura. Abraços, Fernanda.