27 de mar. de 2009

mandala degas



Fernanda Pompeu

Imagine que a memória é um barco. E o motor do barco, nosso cérebro. Um barco para fazer sentido necessita de uma paisagem de água. Nada mais próximo da dor do que um barco encalhado na areia.
Mas um barco precisa de ancoradouros – seja um grande porto ou um modesto molhe. Os ancoradouros da memória são materiais e imateriais. O lá-lá-lá de uma canção ou o lodo no fundo do córrego.
Em Pinheiros, Teodoro Sampaio com Capote Valente, o restaurante Degas é um porto de memória. No comecinho dos anos 1980, eu e minhas jovens amigas sabíamos que, nele, era possível comer a qualquer hora. Tudo com relativa economia e generosa descontração.
O hit da época era o filé à cubana. Visto com a censura de agora, o cubana era um george bush calórico: arroz, ervilha, pêssego; bife empanado; banana, batata e bacon fritos. Recordando com o paladar, uma delícia.
Semana passada, amarrei meu barquinho no Degas. Entrei no salão totalmente reformado. Sentei à mesa, observei as novas tribos saboreando os velhos pratos, entre eles, o cubana.
Um garçom aproximou-se. Trazia nas mãos o cardápio; no rosto, curiosidade. Acenamos com nossas cabeças carregadas de anos. Sorrimos o reconhecimento mútuo.

4 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom ! lembranças...principalmente as memórias sensoriais, que devem ocupar um lugar mais que especial nessa incompreensível (e aquática) massa cinzenta. São quase palpáveis,concretas. Nos levam ao paraíso e ao inferno em segundos de conquistas passadas de sabores, aromas, desejos...água na boca.
Anos 80, filé a Cubana, todo sábado na ADPM (assos. desp. da polícia militar), a ilha em pratos de alumínio, servida aos sargentos, tenentes. Cuba era uma palavra proibida nesse ambiente, mas o prato era um hit. A chave era a banana à milanesa. Depois à noite,nos embalos, só mesmo uma cocorango no cú do padre. huummmm
lembranças...
obrigado.
ass. cravo

Otávio disse...

No Degas é possível ter uma aula de geografia, filé à cubana, à Parmegiana, à Milanesa...

Caio P.C. disse...

Fernanda,

Navegar pelos caminhos da memória é delicioso. E ouvir o roteiro dessa sua viagem pelos anos 80 foi saboroso. Exatamente como um filé à cubana e um sorriso de reconhecimento mútuo.

Anônimo disse...

Fernanda, anos que não vou ao Degas, voltei agora, por voce! que delicia!
e gostei muito da imagem de uma barco encalhado, que deu uma bela forma aos sentimentos recentes - grata.
vera soares