6 de mar. de 2009

emoção das coisas



Fernanda Pompeu

Depois dos 50 anos, o núcleo duro da memória se expande numa anárquica rede de recordações. Já não controlamos mais quando e o que iremos lembrar. Ocorrem inesperadas invasões de imagens, cheiros, sons.
Acontece a toda hora. De repente, ao entrar na estação de metrô Vila Madalena, assalta-me a estação de barcas da Praça XV. Ao apertar a mão de um novo conhecido, vêm o rosto de uma antiquíssima amiga.
Os cheiros, então, são passes livres para associações de primeiro grau. A maresia traz um banho de mar na infância; o chanel número 5, aquele beijo roubado; o pastel no óleo, todas as feiras.
Para cinquentões e cinquentonas é ocioso fazer listas. Não haveria suficiente papel no mundo para inventariar filmes vistos, livros lidos, projetos malogrados, sucessos alcançados, medos e coragens sentidos.
Também acontece um troca-troca: cenas se apagam cedendo espaço para outras. No entanto, há três ou cinco imagens permanentes, gravadas a fogo. Uma delas, para mim, é a do homem que fabricava lápis. No caminho do grupo escolar, eu dava uma paradinha e, na ponta dos pés, espiava pela janela a minúscula oficina.
Adorava observar o mágico do grafite. Ele era velho e compenetrado. Talvez por conta dessa gota de memória, eu - que abri mão de todas as coleções - ainda mantenha, sobre a mesa de trabalho, uma trintena de lápis.

4 comentários:

Caio P.C. disse...

Fernanda,

Me lembre do vicky vaporub que passei no nariz esses dias antes de dormir e me rendeu uma maravilhosa e instantânea viagem à infância.
De repente eu estava em Itanhaém, deitado na cama de casal dos meus avós e enfurnado bem no meinho deles.
Meu avô soltava deliciosas palavras no ar e, enquanto minha avó gargalhava, eu viajava entre nuvens, jacarés e tatus que falavam.

Obrigado pela recordação gostosa!

Carvall disse...

me lembrei de dois clássicos, a pomada Minâncora
e polvilho anticéptico Granado.

cll.

Anônimo disse...

Fernanda,
Obrigada, por me fazer perceber que o tempo não é só senhor da razão, é, também. o senhor dos nossos 5 sentidos e por isso responsável pela qualidade das emoções das coisas que suscitadas pela memória nos fazem sentir surpresos, mesmo depois dos cinquenta.
Claudia

Anônimo disse...

delícia de texto nesses meus 49. cida.S