18 de fev. de 2009

A CRISE DE 2008: A RESSUREIÇAO DO



Paul Singer
Folha de S.Paulo 17/02/09

DESDE� a inesquecível Crise de
1929, a presente é a primeira a
ser combatida com políticas
retiradas do arsenal teórico keynesia­
no. Em 1929, quando o estouro da
Bolsa de Wall Street deu início à mais
longa e arrasadora crise da história do
capitalismo, era consenso que os go­
vernos deveriam manter austeras
suas políticas monetária e fiscal, por
temor duma possível inflação, induzi­
da pela recuperação do consumo e da
inversão. O que houve, porém foi uma
deflação infindável que perpetuou a
retração da demanda efetiva, o de­
semprego em massa e o empobreci­
mento da maioria da população.

Diante do desastre, alguns gover­
nos (dos quais o brasileiro e o sueco
foram dos primeirtos) jogaram o con­
senso conservador fora e passaram a
usar o crédito e o orçamento público
para fomentar diretamente o consu­
mo, a inversão e a substituição de im­
portações, tendo em vista incremen­
tar a qualquer custo a atividade eco­
nômica nacional. Estas políticas, mo­
vidas pela coragem do desespero, lo­
graram fazer com que o mundo emer­
gisse duma crise que parecia não ter
fim. Diversos economistas de peso
aprovaram então a nova heterodoxia,
entre os quais John Maynard Keynes,
que depois elaborou uma teoria geral
para demonstrar que as políticas he­
terodoxas eram racionais tanto para
remediar crises financeiras já estou­
radas como para preveni-las.

Nas quatro décadas seguintes, o ar­
senal keynesiano de políticas anti-cí­
clicas foi amplamente aplicado para
impedir que novas crises financeiras
de âmbito mundial pudessem aconte­
cer. Contribuíram para tanto as insti­
tuições criadas na Conferência de
Bretton Woods em 1944, não por aca­
so presidida por Keynes. O estatuto
do Fundo Monetário Internacional o
proibia de socorrer países cujos go­
vernos deixam de controlar a movi­
mentação internacional de capitais e
instaurava a estabilidade cambial,
proibindo que o valor das moedas na­
cionais flutuasse ao sabor da especu­
lação.

Portanto, durante os 40 anos se­
guintes, as políticas anticíclicas key­
nesianas não tiveram emprego. No
fim dos 1970, no entanto, a onda neo-
liberal começou a desmontar os con­
troles multilaterais e nacionais da es­
peculação, liberando-a no plano
mundial. Como seria de se esperar, as
crises financeiras voltaram, com o re­
torno do consenso de que se os gover­
nos se dedicarem ao equilíbrio fiscal,
as crises financeiras seriam passagei­
ras. Mas, isso não se aplicava aos Es­
tados Unidos, cujo banco central tem
como missão tanto combater a infla­
ção como manter a economia nacio­
nal em pleno emprego. O Federal Re­
serve, manipulava a taxa oficial de ju­
ros, elevando-a para forçar o estouro
de bolhas ’excessivas’ e a reduzindo
em seguida para apressar a recupera­
ção da economia e minimizar os efei­
tos da crise.

Desta forma, um certo keynesianis­
mo inconfessado era praticado pela
superpotência capitalista. Agora, com
o estouro de bolhas imobiliárias surge
uma crise tão forte que abala as mais
importantes companhias financeiras
do 1º Mundo e destrói trilhões de dó­
lares de capitais fictícios acumulados
nas Bolsas de Valores. Os principais
governos logo reconhecem que esta
crise não pode mais ser contida ape­
nas pela redução das taxas oficiais de
juros (hoje quase zero) e apelam para
o arsenal keynesiano de políticas de
fomento do consumo, do investimen­
to e do emprego.

Até agora, os pacotes de estímulo
dos governos não têm conseguido im­
pedir que a crise encolha o crédito e
comprima a demanda efetiva, o que
resulta em queda quase universal da
atividade econômica e aumento do
desemprego. Isso confirma o pessi­
mismo dos bancos, que racionam o
crédito e o encarecem, das empresas
que adiam inversões, reduzem a pro­
dução e demitem trabalhadores e dos
consumidores, que restringem seus
gastos, assustados com a ameaça do
desemprego.

A julgar pela única experiência his­
tórica disponível, a da Crise de 1929, o
instrumental keynesiano funciona
desde que os governos o empreguem
com rapidez e intensidade para rever­
ter as expectativas dos agentes econô­
micos. O pânico, que se apossou das
finanças, contaminou a mídia e a opi­
nião pública e até o momento não ce­
deu perante as ações de fomento
anunciadas pelos governos. Estas só
podem alcançar seus objetivos se fo­
rem imitados pelos detentores de
meios próprios para consumir mais
do que o essencial e para investir o di­
nheiro não gasto na ampliação da ca­
pacidade de produção.

Há políticas disponíveis para abre­
viar a presente e prevenir futuras cri­
ses. Quais são elas, porém, é tema pa­
ra um outro artigo.

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