14 de jan. de 2009

Bota o Rei Congo na MPB



Anamaria Leme

Final de semana, a convite de uma amiga e estimulada por uma vontade imensa de "sumir no mundo", acabei indo parar em Atibaia, cidade próxima de São Paulo, produtora de, entre outras coisas, morangos, pêssegos, flores e festivais culturais.

Essa amiga, que há pouco resolveu virar fotógrafa, achou um tema que prometia imagens interessantes: 60 grupos de congada que vinham de todo o estado de São Paulo para um encontro naquela cidade. Eu, adaptando meu conceito de "sumir no mundo", aceitei o convite que parecia encantador. E foi.

Para quem não sabe, a congada é uma procissão que reúne elementos das tradições de Angola e Congo, que aliadas às crenças religiosas católicas resultaram no que podemos chamar de Sincretismo Religioso: os escravos africanos encontraram correspondentes para os seus santos nos santos da Igreja Católica. Desta forma evitavam punições de seus senhores e podiam realizar seus cultos.

As procissões vinham de todos os lados. Saiam da Igreja Matriz, andavam pela avenida em direção à Igreja do Rosário. Na frente, o estandarte, com as cores do grupo. Então, os integrantes enfeitados com fitas coloridas nos chapéus, nas roupas, carregando rosas, seus sonoros penduricalhos, o rei congo e sua rainha, saias estampadas e turbantes, rendas, lembrando as tribos africanas.

Sorrisos abertos e banguelas, rugas profundas, mãos calejadas, gente simples e orgulhosa em dia de glória. Não foram poucos já bem idosos a desfilar com muletas ou cadeira de rodas e crianças em carrinhos de bebê, primorosamente vestidas e adornadas, numa procissão alegre e multicolorida que atravessou cantando e rufando seus tambores e pandeiros por dentro da Igreja do Rosário, arrancando lágrimas do público. Cada grupo com uma característica específica: violas, acordeons, palmas, tambores, pandeiros, chocalhos, guizos, espadas e bastões, utilizados em maior ou menor quantidade dependendo da região de onde veio. Assim também a coreografia, que por vezes era tranqüila, apenas um caminhar em procissão, por vezes complexas, alternando saltos e giros.

Não havia nada dos eventos produzidos no Rio e na Bahia, em que se compram abadás pela internet, e mesmo sem nunca ter ido a um ensaio, é possível "ser" integrante de um grupo. Ali na avenida de Atibaia, todos faziam realmente parte daquilo: pais, mães, filhos, irmãos, cunhados, avôs e bisavôs.

Foi bonito de ver.

Aquilo sim foi musical, popular e brasileiro.

4 comentários:

MiMi disse...

Pelas fotos eu achei o máximo, deu vontade de participar! Pelo seu artigo, eu já me senti no meio da congada... tu leva jeito pra coisa, hein! Adorreeeiiii...

Anônimo disse...

Olá,
Eu que sou filha de Minerrr, quando li, me emocionei! A descrição está muito correta e sensível!
Legal que valorizemos um evento tão brasileiro e ainda tão sem pretensões comerciais, tão puro, tão genuíno, tão humilde, tão colorido, tão espontâneo, tão cheio de alma e tão de coração!
Lembra também o desfile de Maracatu de Pernambuco... esses eventos são mpb genuína!
Amei! Obrigada!
Aline

Anônimo disse...

Assim como as Congadas, este artigo é verdadeiro e cheio de emoções. Gostei muito do seu jeito simples e direto, sem falar da emoção que ele transmite.

Unknown disse...

Vendo os videos, percebi origens do samba e da MPB.
O artigo é exato, sensível e mostrou a arte popular de pessoas humildes "em dia de glória", sem o contágio de marketing ou comércio.
Parabéns,
JJV Leme