6 de jan. de 2009

Guerra total:massacre de civis

na Folha de S. Paulo de 6/01/09


Paulo Sérgio Pinheiro

Gaza tem a mais alta densidade demográfica do mundo,mais de quatro mil pessoas por quilometro quadrado. Cerca de 1milhão e quinhentas mil pessoas numa área de 360º km quadrados, imprensadas entre o mar, a fronteira com Israel e com o Egito. Em julho de 2005, em missão da ONU, visitei Israel e percorri de carro pelo interior toda a faixa desde a cidade de Gaza até Rafah. Voltei pela costa , desde a muralha de ferro marrom qual uma escultura de Richard Serra, na fronteira com o Egito, visitei os campos de refugiados da guerra de 1967, mais espremidos ainda, em frente à praia. Puro engodo bombardeios aéreos israelenses com ‘precisão cirúrgica‘. Impossível ali evitar vítimas civis como dano colateral‘. Não há para onde escapar.

Em menos de uma semana 512 palestinos foram mortos, um quarto das vitimas, segundo a ONU, civis, mulheres e crianças, além de 2000 feridos, os hospitais não dão conta das amputações. 31 soldados israelenses foram feridos nos ataques por terra e quatro civis israelenses foram mortos por foguetes de grupos do Hamas . A desproporcionalidade, entre a guerra total de Israel e os ataques de foguetes do Hamas ou a resistência a atual ao ocupante israelense , dos dois lados crimes de guerra sendo cometidos contra as populações civis, fica patente. Apesar do bloqueio da entrada de qualquer jornalista ocidental: o ocupante não quer testemunhas do massacre .

Israel, ao estrangular ao fechar os acessos da fronteira de Gaza há meses, descumpre suas obrigações como potência ocupante e pune coletivamente a população civil. O sistema de água e esgoto beira o colapso pois os bombardeios que destruíram as linhas de eletricidade e há meses não houve combustível para gerar energia . Estão sendo sistematicamente arrasadas , em flagrante descumprimento das convenções de Genebra e seus dois protocolos, escolas, hospitais, ambulatórios, e famílias, mulheres, crianças aterrorizadas. Apesar de 30 caminhões com viveres e medicamentos terem sido autorizados a entrar em Gaza nos últimos dias, dificílimo fazer chegar esses estoques a população pela ausência de corredores humanitários.

A oposição dos Estados Unidos a um cessar fogo e a um mero comunicado de imprensa ou declaração do presidente do Conselho de Segurança da ONU confirma esse apoio escancarado a uma das partes do conflito. Entre os países árabes há enorme divisão de posições em relação ao Hamas. O emir do Qatar há pouco propôs um cessar fogo e apontava que ‘os horrores ocorrendo na faixa de Gaza obriga os líderes das nações árabes a se moverem‘ e clamava para a necessidade uma cúpula árabe para uma tomada de posição consequente. Quanto à Europa, desde a eleição do Hamas , foi incapaz de ter qualquer iniciativa autônoma em relação ao governo Bush. Some-se a inação do enviado especial do quarteto para a Palestina Ocupada (Rússia, Estados Unidos, União Européia, ONU), Tony Blair, que nunca pôs os pés em Gaza. Apesar da atual presidência tcheca da União Européia atestar que a guerra deflagrada por Israel é °defensiva ‘, a França condena o ataque por terra e o Reino Unido a deplora (o estoque de verbos diplomáticos é inesgotável!). Na pasmaceira habitual da comunidade internacional, releve-se o firme repúdio expresso pelo governo brasileiro à brutalidade e desproporcionalidade da ofensiva de Israel contra Gaza.

Está demonstrado que o não reconhecimento das eleições legitimas (referendadas por Jimmy Carter) que levaram ao poder o Hamas e sua classificação como movimento terrorista foi uma decisão equivocada. Amadorístico foi o apoio exclusivo dos EUA e da Europa ao Fatah e ao presidente Mahmud Abbas, na Cisjordânia ocupada, na esperança de que a população de Gaza deixasse de apoiar o Hamas . Essa política desastrada de isolamento do Hamas transformou Gaza num enclave condenado a condições de vida cada dia mais semelhantes aos bantustans do regime da apartheid sul-africano.

O que se pode esperar nos próximos dias? Nada ou muito pouco, a não ser a intensificação da dança diplomática de visitas a Jerusalém e a Ramallah, sede da Autoridade Palestina, no pano de fundo, bombardeios, o avanço da invasão por terra (e mar), a reocupação, massacre de civis, mais foguetes do Hamas, a caçada letal aos líderes do Hamas ( e o trucidamento de suas mulheres e crianças )e mudança de regime em Gaza dissimulada. Tudo deverá continuar até 20 de janeiro quando tomará posse o presidente Oba ma, do qual se poderia esperar ao menos uma lamentação pelas perdas civis. Trágico começo de ano.

Paulo Sérgio Pinheiro , 64, é professor adjunto de relações internacionais na Brown University, EUA, pesquisador associado do NEV/USP e membro da Comissão Teotônio Vilela. Foi secretário de estado dos direitos humanos, no governo Cardoso.

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