9 de jan. de 2009

a barca



Fernanda Pompeu

Antes da ponte Rio-Niterói, a travessia entre as duas cidades era feita, preferencialmente, pelo mar. Quem quisesse cruzar por terra dava uma volta dos diabos. Hoje, as barcas continuam. Mas acredito que a época de ouro tenha sido antes de 1974 - ano da inauguração da ponte.
Digo época de ouro, porque foi a que eu vivi. Meus pais mudaram do Rio para Niterói, porém eu e minha irmã mais velha seguimos estudando no Instituto Lafayette, na Tijuca. De segunda a sábado, pegávamos a barca das cinco da manhã e retornávamos pelas duas da tarde. Não era ruim. Ao contrário, era muito bom. A vista da baía de Guanabara não é paisagem, é privilégio.
A massa de passageiros (é uma embarcação enorme) podia fazer cara de todos os sentimentos. Mas em nenhuma hipótese, estampava expressão de tédio. Aquela travessia, de 30 minutos, era vivida como um parêntese interrompendo as chateações cotidianas.
Na hora de atracar, uma voz, no alto-falante, advertia senhores passageiros, desembarquem com segurança e não esqueçam seus pertences no interior desta barca. A mensagem era sempre essa, como os avisos nas aeronaves, nunca mudava. Por isso, acho que ninguém ouvia.
Mas um dia, talvez a voz tenha se distraído do script, ou se insurgido contra a mesmice. O fato é que escutamos: senhores passageiros, desembarquem com segurança e não esqueçam seus problemas no interior desta barca.
Dessa vez, todos ouviram e a embarcação sacolejou ao som de uma estrondosa gargalhada.

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