Folha de S. Paulo 10/12/08
ANTÓNIO GUTERRES
REFUGIADOS SÃO o símbolo de
nossos tempos turbulentos. A
cada novo conflito, jornais e
TVs são tomados por imagens de
multidões se movimentando, fugindo
dos seus próprios países com a roupa
do corpo e poucas coisas que podem
carregar. Quem sobrevive depende da
boa vontade de países vizinhos para
abrir suas portas e da habilidade de
organizações humanitárias para pro
ver comida, abrigo e atenção.
Mas o que acontece quando o êxodo
termina, os jornalistas vão embora e o
mundo volta sua atenção para outra
crise? Quase sempre, os refugiados
são deixados para trás e gastam anos
de suas vidas em campos e acampa
mentos miseráveis, expostos a peri
gos e com direitos restritos.
As situações prolongadas de refú
gio atingiram proporções enormes.
Estatísticas recentes do Acnur (a
agência da ONU para Refugiados)
mostram que cerca de 6 milhões de
pessoas estão no exílio por cinco anos
ou mais _sem contar os mais de 4 mi
lhões de refugiados palestinos. Exis
tem mais de 30 situações de refúgio
prolongado no mundo, a maioria em
países da África e da Ásia que sofrem
para garantir as necessidades dos
seus cidadãos.
Na prática, muitos desses refugia
dos estão presos. Não podem voltar
casa porque seus países de origem
-Afeganistão, Iraque, Myanmar, So
mália e Sudão, por exemplo - estão
em guerra ou são afetados por viola
ções dos direitos humanos. Na maio
ria dos casos, as autoridades dos paí
ses de refúgio não facilitam a integra
ção local nem concedem cidadania.
Apenas uma pequena parcela conse
gue ser reassentada na Áustrália, Ca
nadá, Estados Unidos ou outro país
desenvolvido.
Durante longos anos no exílio, es
ses refugiados têm uma vída difícil.
Muitos não têm liberdade de movi
mento ou acesso à terra, e não podem
procurar trabalho. O tempo passa, e a
comunidade internacional perde o
interesse nessas situações. O finan
ciamento seca, e serviços essenciais
como educação e saúde ficam estag
nados e se deterioram.
Espremidos em acampamentos lo
tados, sem renda e sem o que fazer, os
refugiados são afetados por doenças
sociais como prostituição, estupro e
violência. Não é de se estranhar que
muitos assumam o risco de se mudar
para áreas urbanas ou migrar para
outro país, colocando-se nas mãos pe
rigosas de traficantes de pessoas.
Meninas e meninos refugiados so
frem ainda mais. Uma proporção
crescente dos exilados nasceu e cres
ceu no ambiente artificial de um cam
po de refugiados, seus pais sem condi
ções de trabalhar ou dependentes das
escassas rações fornecidas por agên
cias internacionais. E mesmo se a paz
retorna a seus países de origem, esses
jovens voltarão para uma ‘terra natal‘
que nunca viram e onde sequer falam
a língua local.
Considero intolerável que o poten
cial humano de tantas pessoas seja
desperdiçado no exílio. É imperativo
tomar medidas solucionar essa triste
situação.
Primeiro, é necessário deter os con
flitos armados e as violações de direi
tos humanos que levam ao exílio e à
vida como refugiados. Neste aspecto,
a ONU tem um papel importante co
mo mediadora, negociadora, por
meio das suas forças de paz ou punin
do os culpados por crimes de guerra.
Segundo, mesmo com a escassez de
fundos por causa da atual crise finan
ceira, todo esforço deve ser feito para
melhorar as condições dos refugiados
em exílio prolongado, seja em acam
pamentos, nas cidades ou na zona ru
ral. É preciso prover meios de vida,
educação e treinamento. Com isso, os
refugiados terão uma vida mais pro
dutiva e recompensadora, podendo
preparar seu futuro - onde quer que
seja.
Finalmente, mesmo sabendo que
não se resolve o problema levando to
das as pessoas para países desenvolvi
dos, as nações mais ricas devem reas
sentar parte dessa população, princi
palmente os mais vulneráveis, de
monstrando sua solidariedade com
os países que abrigam muitos refugia
dos.
Os problemas dos refugiados são
responsabilidade da comunidade in
ternacional, e só são enfrentados com
cooperação e ações coletivas. Deve
mos assegurar que a assistência aos
refugiados também beneficie as po
pulações locais. Devemos encorajar a
comunidade internacional a apoiar os
países dispostos a naturalizar e dar ci
dadania a refugiados. E devemos ter
abordagens mais efetivas para o re
torno e reintegração de refugiados
em seus países de origem, fazendo
com que se beneficiem e contribuam
para os processos de construção da
paz.
ANTÓNIO GUTERRES, 59, é o alto comissário da ONU pa
ra Refugiados, chefe do Acnur (a agência da ONU para Re
fugiados) e ex-primeiro-ministro de Portugal.
11 de dez. de 2008
Exílio prolongado
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