11 de dez. de 2008

Exílio prolongado

Folha de S. Paulo 10/12/08


ANTÓNIO GUTERRES

REFUGIADOS SÃO o símbolo de
nossos tempos turbulentos. A
cada novo conflito, jornais e
TVs são tomados por imagens de
multidões se movimentando, fugindo
dos seus próprios países com a roupa
do corpo e poucas coisas que podem
carregar. Quem sobrevive depende da
boa vontade de países vizinhos para
abrir suas portas e da habilidade de
organizações humanitárias para pro­
ver comida, abrigo e atenção.

Mas o que acontece quando o êxodo
termina, os jornalistas vão embora e o
mundo volta sua atenção para outra
crise? Quase sempre, os refugiados
são deixados para trás e gastam anos
de suas vidas em campos e acampa­
mentos miseráveis, expostos a peri­
gos e com direitos restritos.

As situações prolongadas de refú­
gio atingiram proporções enormes.
Estatísticas recentes do Acnur (a
agência da ONU para Refugiados)
mostram que cerca de 6 milhões de
pessoas estão no exílio por cinco anos
ou mais _sem contar os mais de 4 mi­
lhões de refugiados palestinos. Exis­
tem mais de 30 situações de refúgio
prolongado no mundo, a maioria em
países da África e da Ásia que sofrem
para garantir as necessidades dos
seus cidadãos.

Na prática, muitos desses refugia­
dos estão presos. Não podem voltar
casa porque seus países de origem
-Afeganistão, Iraque, Myanmar, So­
mália e Sudão, por exemplo - estão
em guerra ou são afetados por viola­
ções dos direitos humanos. Na maio­
ria dos casos, as autoridades dos paí­
ses de refúgio não facilitam a integra­
ção local nem concedem cidadania.
Apenas uma pequena parcela conse­
gue ser reassentada na Áustrália, Ca­
nadá, Estados Unidos ou outro país
desenvolvido.

Durante longos anos no exílio, es­
ses refugiados têm uma vída difícil.
Muitos não têm liberdade de movi­
mento ou acesso à terra, e não podem
procurar trabalho. O tempo passa, e a
comunidade internacional perde o
interesse nessas situações. O finan­
ciamento seca, e serviços essenciais
como educação e saúde ficam estag­
nados e se deterioram.

Espremidos em acampamentos lo­
tados, sem renda e sem o que fazer, os
refugiados são afetados por doenças
sociais como prostituição, estupro e
violência. Não é de se estranhar que
muitos assumam o risco de se mudar
para áreas urbanas ou migrar para
outro país, colocando-se nas mãos pe­
rigosas de traficantes de pessoas.

Meninas e meninos refugiados so­
frem ainda mais. Uma proporção
crescente dos exilados nasceu e cres­
ceu no ambiente artificial de um cam­
po de refugiados, seus pais sem condi­
ções de trabalhar ou dependentes das
escassas rações fornecidas por agên­
cias internacionais. E mesmo se a paz
retorna a seus países de origem, esses
jovens voltarão para uma ‘terra natal‘
que nunca viram e onde sequer falam
a língua local.

Considero intolerável que o poten­
cial humano de tantas pessoas seja
desperdiçado no exílio. É imperativo
tomar medidas solucionar essa triste
situação.

Primeiro, é necessário deter os con­
flitos armados e as violações de direi­
tos humanos que levam ao exílio e à
vida como refugiados. Neste aspecto,
a ONU tem um papel importante co­
mo mediadora, negociadora, por
meio das suas forças de paz ou punin­
do os culpados por crimes de guerra.

Segundo, mesmo com a escassez de
fundos por causa da atual crise finan­
ceira, todo esforço deve ser feito para
melhorar as condições dos refugiados
em exílio prolongado, seja em acam­
pamentos, nas cidades ou na zona ru­
ral. É preciso prover meios de vida,
educação e treinamento. Com isso, os
refugiados terão uma vida mais pro­
dutiva e recompensadora, podendo
preparar seu futuro - onde quer que
seja.

Finalmente, mesmo sabendo que
não se resolve o problema levando to­
das as pessoas para países desenvolvi­
dos, as nações mais ricas devem reas­
sentar parte dessa população, princi­
palmente os mais vulneráveis, de­
monstrando sua solidariedade com
os países que abrigam muitos refugia­
dos.

Os problemas dos refugiados são
responsabilidade da comunidade in­
ternacional, e só são enfrentados com
cooperação e ações coletivas. Deve­
mos assegurar que a assistência aos
refugiados também beneficie as po­
pulações locais. Devemos encorajar a
comunidade internacional a apoiar os
países dispostos a naturalizar e dar ci­
dadania a refugiados. E devemos ter
abordagens mais efetivas para o re­
torno e reintegração de refugiados
em seus países de origem, fazendo
com que se beneficiem e contribuam
para os processos de construção da
paz.

ANTÓNIO GUTERRES, 59, é o alto comissário da ONU pa­
ra Refugiados, chefe do Acnur (a agência da ONU para Re­
fugiados) e ex-primeiro-ministro de Portugal.

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