22 de dez. de 2008

os ecaluzes



Fernanda Pompeu


Éramos um bando. Estudantes da ECA / USP. Moças e rapazes cabeludos. A tiracolo, bolsas de couro ou de lona. Nos pés, congas ou as prazerosas (por onde andam?) sandálias franciscanas. Ainda não vivíamos sob império das marcas, nem sob a tirania das grifes. Também não conhecíamos os ditames do “pensamento único”.
Nosso negócio era uma vida desetiquetada. Sem a ameaça da Aids e na segunda geração dos contraceptivos, todo mundo transava com todo mundo. Uma festa. Não havia academias de ginástica e então o verbo malhar era sinônimo de trabalhar. Mas corríamos – como corríamos! – da polícia, quando das passeatas e atos públicos.
Acreditávamos na alta cultura. Éramos fãs do Rainer Fassbinder e John Cage. Sabíamos de cor diálogos de Esperando Godot do Beckett: “Se o galho enforca você / enforca a mim também.” Pelos corredores da ECA, recitávamos versos de Maiakovski: “Come ananás, mastiga perdiz. Teu dia está próximo, burguês.”
Bonitos e arrogantes pensávamos que o mundo começava com a gente. Antes de nós, a barbárie. A ignorância dos poucos anos de vida era a auréola que nos fazia meio loucos, meio anjos. Como em todas as épocas, imemoriais e memoráveis, nosso mapa e território atendiam pelo nome de Juventude.

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