Estudantes gregos são os primeiros a cobrar promessas não entregues
por Hector Plasma*
As recentes manifestações dos estudantes gregos são abordadas pela mídia como um movimento restrito a alguns supostos 'anarquistas' que se respaldam na impossibilidade das forças de segurança invadirem os campi universitários.
Também cansaremos de ler e assistir reportagens sobre os prejuízos causados pelos baderneiros e outros que a Grécia terá no turismo. Números não faltarão.
Qualquer subterfúgio valerá para restringir o movimento à baderna.
Mas o real significado da revolta é a frustração dos jovens. O slogan do movimento é auto-explicativo: "nossa cólera tornou-se nosso combate". Os estudantes gregos estão cobrando uma vida que lhes foi prometida e não foi entregue.
Vivemos a 'era do conhecimento', ou pelos menos nos vendem essa idéia de que um curso superior, fluência em outras línguas, cursos de especialização nos levarão ao olímpo e, assim, poderemos viver plenamente todas as sensações à venda no mercado. De outra forma, pulando todos os obstáculos impostos pelo mundo do trabalho teremos as portas abertas das corporações.
O depoimento da grega Katerina mostra o muro que encontrou uma jovem de 28 anos após ter feito todo o calvário imposto pelo mundo moderno:
"Meus pais se viraram aos quatro ventos para que eu pudesse estudar no estrangeiro. Já haviam feito sacrifícios durante meus estudos na escola, pagando cursos particulares (...). Estudei pesado em Paris, maîtrise [são os quatros anos de estudo que no Brasil significa bacharelado], DEA [diplôme d'études approfondies, que para nós seria o mestrado] e doutorado. Ao retornar [à Grécia] foi o banho frio. No primeiro trabalho que me propuseram, o salário era menor do que os trabalhos de estudantes em Paris. Era uma multinacional. Eles sabiam que eu falo fluentemente grego, inglês e francês. Mas isso não valia nada. Mudei de emprego e foi pior. Me ofereceram pagar parte de meu salário por fora, e sobretudo não pagar o seguro social. Finalmente entrei em uma empresa de telecomunicação onde trabalho das 7 horas da manhã até a tarde, sem pausa ao meio-dia. Evidentemente não me pagam hora extra. Algumas vezes ainda me chamam no final de semana. Mas, ao menos, eles me pagam no fim de cada mês. Não é o caso dos meus amigos, que devem implorar para serem pagos".
Outra novidade a ser observada é que os manifestantes são integrantes da classe média. O estudante morto, Andreas Grigoropulos, estopim das manifestações, estudava em um dos melhores colégios de Atenas, seu para era professor universitário e sua mãe comerciante. Portanto são novos atores com novas demandas.
Degradação do trabalho
A realidade descrita por Katerina é bem conhecida por nós brasileiros: trabalho informal e sem direitos garantidos em lei.
No Brasil ainda temos a figura do PJ's (pessoa jurídica), isto é, aquele cidadão que para conseguir trabalho deve abrir uma empresa. Talvez a Grécia não tenha chegado a tal sofisticação.
Muitos analistas colocarão a culpa pelas manifestações no governo 'corrupto' grego. Outros destacarão que o atual governo tentou modernizar o ensino público e arejar a estrutura pública grega e foi barrado pelo detentores de privilégios. Alguns dirão que a Grécia não se modernizou e suas atividades econômicas restringem-se à pesca e ao turismo.
Mas ninguém poderá escapar dos fatos. Tanto no Brasil como na Grécia, e provavelmente em vários países, o Estado, refém do mercado, fez vista grossa para a desregulamentação do trabalho. Os sindicatos, no caso do Brasil, também se esquivaram porque a cota financeira está garantida por lei no final do mês e não é interessante mexer em time que está ganhando.
O resultado foi que os salários foram achatados, a boa parte da produção de bens foi transferida para países sem nenhum compromisso com as leis, como a China, e a classe média viu o seu sonho minguar.
Não se sabe qual será o desenlace da história, mas com certeza os estudantes gregos não serão os únicos a bater na boca do caixa e apresentar a fatura. Só foram os primeiros.
Leia mais:
"La hoguera griega sigue encendida"
"Le retour au réel après l'argent facile"
"Les jeunes Grecs racontent leur colère"
*Hector Plasma já tem certeza que o Mercado nunca será um Deus grego.
15 de dez. de 2008
A fatura chegou
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