31 de ago. de 2009

quesitos



Fernanda Pompeu

Alguém já disse: três são os ingredientes para escrever: clareza, clareza, clareza.
Eu concordo, mas digo: para conseguir essas três coisas é a maior dureza, dureza, dureza

prosódia







Fernanda Pompeu

Ernani era meu ídolo, porque vivia com livros debaixo do braço e sabia muito de dramaturgos. Ele com dezessete, eu com treze. Nessa faixa etária, uma notável diferença a favor dele. Eu queria, ao lado de cem outros quereres, ser atriz de teatro. Xará da Fernanda Montenegro, considerava líquido e sólido que chegaria minha vez.
Meu amigo ia atuar em um peça, dentro da temporada de teatro amador, no Municipal de Niterói. Ele disse que o diretor estava fazendo testes para fechar o elenco. Havia um papel para uma menina, bem pequenino. Muito fácil, pois ela falaria uma única frase.
Pequenino? Que me importava? Era a oportunidade eldorada.
Peguei a barca Rio-Niterói, atravessei a baía da Guanabara. Encontrei-me com o incrível Ernani na praça do Arariboia – índio patrono da cidade. O Municipal ficava a meia quadra dali. O que lembro com nitidez: uma mesa grande, o diretor e seu assistente.
O diretor ordenou: leia esta frase. Algo como Peter não dormiu em casa, deve ter caído o helicóptero. Li. Mas no lugar de Piter, falei Péter. Percebi o erro, corei e embatuquei no helicóptero. Saiu helicópero.
Ouvi o risinho do assistente; o diretor pigarreou e a mesa grande seguiu indecifrável. Um dia depois, Ernani telefonou contando que tinham escolhido outra menina. Porém, se quisesse, eu poderia ajudar.
Por sete tardes, recolhi os ingressos na entrada do Municipal. Com orgulho e alegria, havia estreado no teatro.

24 de ago. de 2009

dois irmãos







Fernanda Pompeu

Cosme e Damião tinham dez anos. Eram filhos da Hilda, cozinheira da família. Gêmeos nascidos e criados em Nova Iguaçu, capital informal da Baixada Fluminense. Muitas vezes, Hilda, por não ter com quem deixá-los, vinha com eles para a casa da Tijuca.
Sentia inveja do trajeto deles: o trem de subúrbio que parava na então majestosa Central do Brasil. Na minha imaginação, eles eram as pessoas mais livres do meu minguado círculo de relacionamento.
Eu e meus irmãos tínhamos os dois como parceiros de jogos e brincadeiras. Numa manhã de 40 graus, Damião e eu entramos debaixo do chuveiro. Pelados e mais ou menos inocentes, fomos flagrados por Hilda. Levamos um tremenda bronca e começamos a desconfiar que banho era coisa errada.
Com eles aprendemos a camaradagem infantil e a cumplicidade entre amigos. Juntos delirávamos ao assistir ao Nacional Kid – herói japonês do tempo da televisão preto e branco e chuviscada. Os Incas Venusianos eram os inimigos de Kid e todos nós.
Damião e Cosme não iam à escola. Eram só dois meninos negros, filhos da empregada, no Rio de Janeiro dos anos 1960. Nas projeções de futuro das crianças brancas: uma irmã queria ser professora; eu, escritora; outro, não me lembro mais o quê.
Nesse assunto, os gêmeos ficavam em silêncio. Talvez Cosme intuísse que ira, como seu tio peão, carregar tijolos na construção civil. Damião, apesar de sonhar em ser Nacional Kid, entendia que sem somar uma letra à outra não teria chance de escolher.
Por que, diabos, lembro tudo isso? O Brasil melhorou. Passaram-se mais de quarenta e cinco anos. Não faço ideia do que aconteceu com os gêmeos. Nem com a Hilda. Qual o motivo de contar essa pequena história? Remorso.

17 de ago. de 2009

SP

trama






Fernanda Pompeu


Não sou dessas que caem no conto de que as coisas do passado são melhores. Tento me vigiar para não dizer “na minha época”, “no meu tempo” etc. Não comungo com o corporativismo cinquentão que transforma jovens em tolos, nem com a empulhação publicitária que os transforma em deuses. Tenho para mim: nenhuma geração é melhor ou pior do que outra. São apenas diferentes.
Apesar dessa ditosa coluna trazer no nome a palavra Baú, detestaria que a tachassem de saudosista ou passadista. Verdade, para escrevê-la olho pelo espelho retrovisor aparafusado no presente. Faço isso pelo genuíno prazer de contar histórias.
Convenhamos, só podemos narrar o que já aconteceu (mesmo quando imaginamos épocas vindouras). A escrita é a prova irrefutável de que o presente não existe. Tal tempo é a mais sofisticada abstração que o ser humano é capaz. Finalizada uma frase, ela está no passado. Acabado um verso, ele é pretérito.
Também não sou daquelas que se entusiasmam com o futuro. Aquelas que mitificam o que ainda não existe. Não acho que o futuro nos justificará ou que dará conta de responder às nossas grandes perguntas.
Confesso, até, um certo temor acerca do porvir. Tenho medo de cartomante, horóscopo e tarô. Jamais faria – se houvesse – um exame de DNA para saber de que e quando vou morrer.
Prefiro isto: sentar-me diante do monitor LG, afiar as unhas no teclado Pleomax e acreditar que não findarei antes desse texto terminar.

10 de ago. de 2009

Fumo

7 de ago. de 2009

il duce








Fernanda Pompeu

Em 1966, eu fazia o curso de admissão. Para os menores de quarenta anos, explico, admissão era a prova oficial para ingressar no ginásio da rede pública. Nessa época, escola particular era para os alunos excedentes ou muito religiosos ou muito ricos.
O tal cursinho de admissão, Preparatório Boa Vista, além de me ensinar a calcular o máximo e o mínimo múltiplo comum, me ofereceu as primeiras lições de eugenia e, consequentemente, de discriminação.
Os cinquentões seu Antônio e dona Leonor, além de casados, eram os professores e donos do caixa. Sem querer ofender pessoas que pelas contas dos anos devem estar enterradas, digo: o casal era assustador.
Eles comparavam a injustiça do mundo a uma ordem natural. Algo como pitangas caem de pitangueiras; jabuticabas, de jabuticabeiras. Assim, brancos nasciam com vocação para vencedores, mas tinham que lutar. Negros nasciam com DNA de perdedores e o a fazer era se resignar.
No Boa Vista só havia alunos brancos. Remediados, é verdade. Seu Antônio apontando uma régua de 90cm, em nossa direção, alertava: se vocês não estudarem vão enegrecer.
Uma manhã, tomada de coragem, perguntei: o que seria exatamente enegrecer? Ele atirou a ponta de giz na minha testa e despejou: virar negro é ser o trocador do ônibus e não o motorista. Elevando ainda mais a voz: enegrecer é candidatar-se a burro sem rabo.
Para quem não lembra, burro sem rabo é o apelido de empurradores de carroças de mão. Dona Leonor, exultante, mexia com a cabeça confirmando os vaticínios do mestre.
A classe calava-se em silêncio de morte.

Pânico na rede!!!







DR. Tupi

“O micro blog Twitter é atacado por hackers e por mais de duas horas internautas ficam sem acesso, incapacitados de mandar um tweet- pequeno texto, menos de 140 caracteres”
O ataque aconteceu, de surpresa sim, e as pessoas se olharam, sentiram a angustia de não poder mandar um tweet. Sentiram-se presas, amarradas, atadas, elas queriam se comunicar com as outras pessoas, queriam escrever o que estavam fazendo naquele momento, mais não podiam por que o Tweeter estava sendo atacado. Então em um ato de desespero centenas de pessoas saíram dos seus escritórios, das suas escolas e de suas casas, foram para rua, procurando alguém que pudesse acessar o Twitter. O olhar perdido, procurando alguém que desse o mínimo sinal de que estava mandando um tweet foi em vão. As pessoas se olharam e o choro tomo conta daqueles que perceberam que sem o Twitter elas jamais poderiam se comunicar com as pessoas novamente. Nunca mais elas poderiam tweetar o que estavam pensando, sentindo, refletindo ou fazendo para o mundo virtual. Chorando, chorando muito, as pessoas se abraçaram, se consolaram, estranhos ou amigos sentiram a dor do outro. Foi nesse momento de extrema solidariedade e compaixão que um jovem subiu em cima de um carro e gritou: O Twitter voltou, o ataque acabou!!!!! Então o sentimento de angustia foi tomado por um sentimento de alivio e alegria, as pessoas que estavam se abraçando imediatamente se afastaram uma das outras, as que choravam foram tomadas por um surto de riso e gargalhadas, e todos foram voltando para os seus escritórios, para suas escolas e para suas casas. E a primeira coisa que fizeram foi mandar um tweet para todos os amigos descrevendo os horrores daqueles minutos durante o ataque.

3 de ago. de 2009

Chiqueiro Iluminado!






Olmeca de Tlachtli


Time cagado com cara de campeão tem que ter sorte.

No sabadão, o Palmeiras foi enfrentar um velho conhecido em seu caldeirão: o Sport, em Recife.

Jogo tenso, pegado com o time pernambucano querendo devolver a derrota na libetadores. O time do Sport vive um a fase ruim, demitiu recentemente o técnico Emerson Leão – Miau! – e está em maus lençóis no BR09.

Do outro lado estava o Palmeiras, embalado, de técnico novo e contando com uma sorte de campeão.

Contando com essa força sobrenatural o verdão estava tão confiante que até o Maurício Ramos foi pro ataque e por duas vezes quase abriu o marcador! Numa delas meteu um míssil de cabeça, que por, hã...sorte, foi em cima do goleiro Magrão.

O Sport também ameaçava, mas pela total falta de...sorte, não conseguia abrir o placar, com Fabiano perdendo duas chances incríveis cara a cara com São Marcos da Careca Reluzente.

Veio a segunda etapa e o jogo ficou amarrado, mesmo com o verdão tentando soltar os laterais e com o Sport tentando dominar o meio.

O jogo estava ficando com aquela cara de empate quando ELA apareceu, sim, a SORTE e adivinha para quem?

Pro Palmeiras!

Aos 25 do segundo tempo, Obigol recebeu a bola em profundidade e meteu o bico pro meio do pagode do Sport, Bruno Telles deu um carrinho para afastar e a bola morreu no fundo do gol de Magrão! Foi o famosíssimo “gol cagado de Pebolim”.

Palmeiras sortudo 1 x 0 no zicado Sport.

Após esse combo: gol cagado + sorte, claramente o time do Sport sucumbiu a sua imensa falta de sorte – e de competência também – e sentiu o golpe.

Muricy Zacarias Ramalho tirou Obigol e colocou o Coalhada só pra zoar.
Final de jogo: Palmeiras 1 x 0 no Sport, e agora mais líder do que nunca, com três pontos a mais do que o vice-líder Atlético MG, o galo paraguaio.

Já o São Paulo continua em sua peregrinação, rumo ao morro dos choros lamentados agudos, e obviamente com seu trio de chorões voando em campo.

Ricardo Bozo Gomes está conseguindo resgatar alguns medalhões do elenco, como é o caso do ótimo Hernanes que parece, enfim, ter retomado o bom futebol de outrora.

Além da ressurreição de Hernanes, o trio de chorões parece ter tomado umas palmadas do Ricardo Bozo e resolveu também jogar bola: A mistura de Dagmar + Roberto – Dagoberto - estava com a macaca e meteu um golaço contra o forte time do Vitória, que até o momento era o time de melhor retrospecto dentro de seus domínios.

Borges, o rei dos gols cagados, com certeza estava com aquela indisposição, pois praticamente não soltou nem um traque em campo. Decepcionante.

Marlos Brando também entrou no jogo, mas para o Vitória! Ele carregou demais a bola e perdeu boas tabelas com Dagoberto, entregando contra-ataques perigosos que o time do Vitória não soube aproveitar.

Bela vitória tricolor fora de casa: 1 x 0, e a arrancada cada vez mais forte, de um time que nunca deixou de ser favorito.


Ah, o Corinthians! A torcida anda impaciente com o quê? O time foi campeão de tudo o que disputou em 2009, está bem posicionado na tabela, ocupando a 5ª posição e a pressão já ronda a equipe do Parque São Jorge...

Porque a torcida não perdoa o tal do “desmanche”, Seu Mario Gobbi. É o famoso cagaço, ainda resquício do fatídico ano de 2007. esse é o verdadeiro motivo da indignação dos torcedores do timão.

Soma-se a isso o fato de claramente a equipe cair medonhamente de rendimento após a saída de importantes jogadores e o Extreme Makeover de Ronaldo Jackson.

Jogando em casa, contra o embalado Avaí, o timão não passou de um sonolento 0 x 0. Mas, o goleirão mamado Eduardo Martini só não fez chover no Pacaembu, pois no mínimo praticou três milagres, cada um regado a uma boa dose de Martini. Quem disse que o “mé” não dá um grau legal nos boleiros?

Milagres que garantiram um ótimo empate para o Avaí, que também teve boas chances de abrir o placar, mas a tarde era deles, dos goleiros, e Felipe também mostrou que a fase está ótima.

0 x 0 e a terceira partida seguida do Corinthians sem vencer. Mano Xavier Menezes precisa achar logo um novo jeito de jogar.

2 de ago. de 2009

vale-riso







Fernanda Pompeu

Outro dia, num táxi, fazendo o trajeto Vila Madalena-Pompéia, o motorista me brindou com uma historieta pessoal. Ele contava que, depois de metalúrgico desempregado, havia conduzido ônibus urbanos por mais de vinte anos.
Disse que trabalhou na companhia Santa Brígida, apelidada pelos funcionários de Santa Rígida. Pois a empresa punha fiscais disfarçados de usuários dentro dos coletivos. Sem uniformes e pagando a passagem, monitoravam tudo.
Inclusive, continuou o taxista, se flagrassem o condutor conversando com mulher, podiam puni-lo com demissão. Exagero ou não, adorei a alcunha Santa Rígida.
Lembrei-me, quando criança, que o povo chamava as viaturas policiais de coração de mãe, porque sempre cabia mais um. E, hoje,
os funcionários da Universidade de São Paulo chamam o auxílio-refeição de vale-coxinha.
Pode ser que um lúcido 24h diga que essa operação de deslocar significados não passe do prazer de escarnecer da própria miséria. Talvez. Mas eu, lúcida meio expediente, me divirto.
Faz um tempinho, meu pai me contou uma excelente anedota-verdade. Senadores, deputados e autoridades de alto coturno têm um adicional gorducho para comprar ternos, camisas e gravatas. O apodo da benesse? Vale-paletó.
A bordo de trancos e trocadilhos, navegamos em direção ao rochedo. Vez ou outra, para matar o tempo, pilheriamos.