10 de jun. de 2010

dois bois






Fernanda Pompeu

Está fora de moda falar da classe média. Parece que virou uma categoria fluida. Os sociólogos fogem dela como Jesus deveria ter fugido da Cruz. Mas, para mim, a classe média, independentemente dos critérios de renda, é um jeito de sentir e se colocar diante dos espantos do mundo.
Um dos maiores medos da classe média é se confundir com o povo. Daí o horror ao brega, às roupas não combinadas, aos tênis clonados. No fundo, seu maior pesadelo é descender. É ficar pobre.
O contrário, o grande sonho, é ascender. Ficar rico. Certamente, é muito mais difícil virar rico do que pobre. Isso aumenta a angústia. E o desejo de se diferenciar do povão e das expressões populares se torna necessidade.
Foi com esse espírito classe média que, faz um par de anos, desembarquei em Parintins, Amazonas. Minha missão era escrever, para a revista da TAM, uma matéria sobre os bastidores do festival do boi-bumbá. Cheguei cheia de ideias pré-armadas. Entre elas, um menosprezo atávico pela arte popular.
Preciso contar que caí do cavalo? Ao visitar os barracões dos bois Caprichoso e Garantido, fui apresentada à exuberância da criatividade dos artistas, costureiras e técnicos de Parintins. Num clarão, compreendi que o sal da arte popular é o seu despudor em misturar.
Tanto faz se a referência vem da arte grega ou da cerâmica de Marajó ou dos objetos de plástico moldados nas fabriquetas do país. Nada importa se lá o designer ainda é chamado de desenhista, se o conteúdo todavia é chamado de texto.
O que vale mesmo é a qualidade da ópera. Vale o momento em que Garantido e Caprichoso farão sua aparição no bumbódromo. A vitória de cada um deles é arrancar o delírio supremo, em outras palavras, a alegria popular.

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