23 de set. de 2009

O relógio de ponto






Amanda Andrade

Atrás desta faceta de escritora na qual venho me escondendo nestes últimos dias, sou uma pessoa comum. Tenho emprego de gente grande, com horário, metas, obrigações e exigências, cheio de altos e baixos. E é ai que tudo começa. Há quase um ano o relógio de ponto da minha empresa quebrou e estava lá esquecido, empoeirado. Decidimos optar por leitura biométrica, softwares específicos mas nada deu certo. Tentamos um caderno para marcar os horários de entrada e saída, mas todos logo esqueceram dele. E então decidimos tentar ressucitar o relógio de ponto antigo. Aquele trambolho enorme é para mim muito maior em seu significado. Fruto do capitalismo, nos torna um número, nos vigia e controla impetuosamente. Tristemente aprendi com o tempo que todo esse controle muitas vezes se torna necessário.
Troquei alguns emails com o fabricante, anotei o endereço e coloquei-o no porta-malas do carro para levá-lo ao conserto. Nossa relação começava ai. Ele me faz companhia há 2 meses. O lugar no qual tenho que levá-lo não é longe, mas não consigo arrumar tempo suficiente para finalmente entregá-lo aos cuidados específicos. Não dá. Cada dia uma coisa diferente: rodízio, chuva(que ultimamente tem se tornado sinônimo de caos), cansaço, e puro esquecimento. Nos finais de semana quando abro a porta traseira lá está ele, triste e caído no canto. No começo eu xingava, queria joga-lo no lixo ou deixá-lo no meio da rua para quem quisesse e levá-lo para o mais longe possível de mim. Então ele acabou ficando, criando espaço, fazendo do porta-malas a sua casa. Eu já não me deparo com ele com tamanho espanto, é como se fosse parte do carro. Nos momentos de solidão no trânsito infernal ele, as vezes, faz algum ruído. Sorrio. Ele está ali, me fazendo companhia. Penso nele, no antagonismo de carregar o tal relógio gigante e não ter tempo para nada, nas minhas responsabilidades, na vida passando, nas coisas acontecendo e o mundo pulsando ao meu redor. Criamos um relação de companheirismo.
O próximo passo é dar-lhe um nome e confirmar meu apego ao objeto inanimado, transparecendo assim minha carência e solidão nas ruas de São Paulo.

2 comentários:

Cravo disse...

A variedade da fauna quase onipresente nos porta-malas nossos de cada dia é supreendente. Bela história.
Vl.

Raphael de Souza Braga disse...

só não se esqueça de deixar um relógio de ponto na empresa, se não vão sentir falta deste que reside no seu porta malas, e este seu colega de trânsito precisa de um cinto de segurança, vai que em um solavanco mais forte ele tenha mais avarias...