8 de jun. de 2009

O engenheiro que virou suco


Hector Plasma

No começo década de 80 ficou famoso em São Paulo o engenheiro que sem expectativas de atuar em sua área abriu uma lanchonete na avenida Paulista e para ela deu o sugestivo nome “O engenheiro que virou suco”.

Aquele contexto era a perfeita tradução da recessão econômica que atravessava o Brasil. Posteriormente os anos 80 ficaram conhecidos como a década perdida.

Hoje fenômeno semelhante está acontecendo. Mas a causa não é a mesma.

Na dita sociedade do conhecimento surge o fetiche de que o acúmulo de habilidades resultará, infalivelmente, em ascensão econômica e social do indivíduo.

Prova disso é a quantidade de cursos, certificações, MBA’s e pós-graduações existentes. Nunca na história desse país formaram-se tanto mestres e doutores. Em 2007 o recorde foi batido, foram 10 mil doutores e 40 mil mestres.

Mas o resultado não foi o esperado. É cada vez mais comum reclamações de profissionais especializados que não encontram o que buscavam ou o que foi prometido. O modelo ideal de meritocracia onde um grupo com mais capacidade intelectual prevaleceria sobre o restante da sociedade começa a ser questionado. 

Culturalmente fomos criados com uma régua que não é mais capaz de medir e prever a realidade. Ei-la: estudamos, nos graduamos, aprendemos línguas estrangeiras e para atingir o máximo da escala devemos partir para a especialização. Feito isso automaticamente seremos absorvidos pelo mercado de trabalho e teremos nosso ideal de realização atingido.

Porém a realidade do capitalismo é outra. A época é de concentração do poder econômico em grandes e poucas corporações. Portanto a capacidade de absorção dessa leva de especialistas ficou reduzida. Por outro lado, o surgimento de novos centros públicos de pesquisa científica, para onde são destinados mestres e doutores, tem crescimento infinitamente menor do que o surgimento dos especialistas. A iniciativa privada pouco absorverá dessa massa, pois, no caso do Brasil, o investimento em tecnologia é ínfimo e inovações tecnológicas estão disponíveis no exterior para compra.

Para onde vai esse grupo? Vai se juntar ao velho exército de mão-de-obra excedente do capitalismo tão bem descrito por Karl Marx. A diferença é que antes haviam soldados. Hoje nesse contingente existem tenentes, capitães e até generais. Dito de outra forma, antigamente estavam os trabalhadores braçais e agora chegou a classe média.

Socialmente o fenômeno começa a se cristalizar. Primeiro foi na Grécia, em dezembro de 2007. A juventude universitária foi às ruas mostrar o descontentamento com baixos salários e péssimas condições de trabalho (leia mais: A fatura chegou).

Recentemente o jornal espanhol El Pais publicou um artigo que aborda o mesmo fenômeno. Segundo ele, existe na Espanha uma classe média que está sendo chamada de “mileuristasou seja, uma massa de trabalhadores com no mínimo curso superior que encontra trabalho por 1 mil euros ao mês.  Estima-se a existência de 12 milhões de espanhóis nessa realidade.

Se em países desenvolvidos como a Espanha a equaçãoconhecimento + trabalho = desenvolvimento econômico’ está criando um paradoxo, o que podemos dizer do Brasil?

Até então nossa realidade mostrava que a pobreza e falta de educação técnica criava exclusão mas agora está claro que a existência de capacidade técnica e científica não está criando inclusão. 

Outras novidades teremos quando esse grupo transformar o problema em discussão política. Esperemos pelos engenheiros que farão política. 


7 comentários:

Anônimo disse...

Segundo texto muito interessante nesse assunto. Excelentes constatações e memória, todas aquelas loucuras econômicas dos anos 80 e agora a febre dos já "carne de vaca" MBA's. E foi bom lembrar que tomei muitos sucos do engenheiro, que era figura.

Parabéns.

cravo

Irineu disse...

Brilhante análise. Outro dia prestei um concurso público no qual havia um monte de doutores desempregados ou subempregados. Decontentamento geral. Fazem o mestrado com 23 anos, o doutorado com 26, o pós-doc com 30 e aos 33 tem belos diplomas para pendurar na parede. Sem nunca terem trabalhado (na antiga conotação -marxista- do termo)ou feito um pesquisa de fato relevante socialmente. Parabéns, Hector!!

Cravo disse...

Carvall,

abusei da conta e rebloguei a ilustração desse post, era perfeita para uma crítica que estava louco para fazer. Achei ótima como sempre.

gde abç

Anônimo disse...

É isso mesmo, HP! Mas você falou dos caminhos, esqueceu de falar dos atalhos. Não devemos esquecer que a palavra-chave dessa meritocracia ao avesso é "network". Não adianta investir no conhecimento se você não souber bajular e puxar-saco por aí. Tem que tomar cerveja com os caras úteis e frequentar coquetéis e workshops para ampliar as amizades "apropriadas". Alguns são até de graça! Esse é o atalho, que não dispensa uma pitada de sorte ajuda e, é claro, o MBA é indispensável. Mas, para este, temos por aí as ESPM, FMUs, UNIBANs, UNIPs, etc... e o crédito consignado na conta do papai e do vovô!
(ass: Mr. Networking Hard)

Anônimo disse...

Manda ver, Cravo!

abs

carvall

Cravo disse...

Valeu a força amigo carvall!

Quando puder passa lá para conhecer.

gde abç

ps.: vamos ser titios da helozinha ou do helozinho.

Jorge Ramiro disse...

Eu conheço uma pessoa a quem aconteceu mesma coisa. Durante um momento de crise, ele perdeu o emprego. Ele teve que sustentar sua família. Ele tinha uma esposa e filhos, e sua mulher não podia trabalhar. Ele pegou um pouco de dinheiro que tinha guardado e abriu um restaurante. Agora, ele possui muitos restaurantes em higienópolis.