28 de jul. de 2009

Flagelo paulistano







Hector Plasma


Quando se pensa em flagelado nossa mente corre para as décadas de 60 e 70 e lembra as hordas de nordestinos torturados pela seca desembarcando no Sudeste Maravilha.

Cutucando um pouco mais, ela nos traz a indústria da seca onde muitos poucos se beneficiavam do dinheiro público para amenizar o sofrimento, seja desviando verba de caminhões-pipa ou fazendo poços, também com dinheiro público, em suas propriedades.

Flagelo é sinônimo de desgraça, calamidade. Então por que não tratarmos o trânsito de São Paulo como um? Talvez porque flagelo é sempre dos outros, nunca nosso.

Trânsito em São Paulo é um problema sem fim tratado como conjuntural. Viveremos com ele e será sempre ele a marca da cidade, assim como a seca no Nordeste é resultado da massa equatorial atlântica que por motivos naturais chega à região com poucas possibilidades de precipitação.

É estrutural porque a natureza gananciosa do homem planejou a cidade respeitando o desejo da acumulação de capital. A cidade foi se espalhando sem nenhum critério, só ganhou quem loteou.

Dos antigos proprietários de terra que faziam poços em suas propriedades, hoje temos os incorporadores. Eles conseguem espaços na cidade sem levar em conta o efeito que causará. É o caso da região da Berrini. Quando a avenida foi inaugurada se comemorou o feito de ter sido planejada e construída quase sem auxílio do poder público. A família Bratke, proprietária das terras onde foram erguidos os prédios, muitos deles planejados por membros da mesma família, eram heróis.

Hoje a façanha juntou-se ao flagelo. São pessoas que chegam horas antes do início do trabalho para conseguir uma vaga. Chegavam. Agora a prefeitura limitou as vagas disponíveis na Berrini, mas não ampliou as linhas públicas de transporte.

O flagelo não produz somente desgraça, produz estética. Dele saiu Fabiano e a Baleia, personagens de Vidas Secas, de Graciliano Ramos. Também saiu “Os Retirantes” de Portinari e a Macabéia de “A Hora da Estrela”, de Clarisse Lispector. Todos retirantes.

O flagelo paulista já tem os seus. O Fabiano com seus sons guturais e sua impossibilidade de comunicação são as buzinadas dos motoqueiros e os xingamentos. Dentro de um automóvel somos todos um pouco Fabiano.

Somos também Macabéia pela nossa incapacidade de refletir sobre o cotidiano patético que a cidade flagelada nos oferece. Mas temos as nossas esperanças renovadas quando ouvimos falar em Rodoanéis, ampliação das marginais etc, como Macabéia, a inapta para vida, acreditou num futuro melhor quando foi à cartomante e ouviu tudo o que queria ouvir.

Sorte sempre teve a baleia, um animal humano. Recentemente a prefeitura veiculou uma campanha solicitando a compaixão dos Macabeus Paulistanos para não abandonar animais em vias públicas.

Se o cidadão não merece respeito, pelos menos vamos dá-lo aos animais. Eis o flagelo.

2 comentários:

a retirante disse...

posso deduzir então que sua ausência neste blog foi por causa do trânsito
ou vc estava cuidando das causas dos "baleias" da vida?

seus escritos são brilhantes HECTOR, por isso, não se ausente por muito tempo.

ass.:

eu, a retirante.

Irineu disse...

Hector, também estou voltando de férias hoje!
Meu flagelo é o metro, abarrotado. hoje com a companhia de alguns ex-usuários de fretados!