Fernanda Pompeu
Vamos combinar: a memória de cada um é formada por lembranças próprias e alheias. Vamos aceitar: por vezes, não distinguimos se o vivido foi nosso ou do outro.
Dou o crédito. Esta cena peguei emprestada da minha mãe, fiquei de devolvê-la em forma de texto. Aí vai. Ela menina esperando pelo avô, na calçada em frente ao sobrado em que a família morava, no bairro do Estácio, Rio de Janeiro.
O avô, mouro, agente dos Correios e Telégrafos, chegava pontualmente às seis da tarde - hora em que todas as cigarras cariocas abrem o berreiro.
A garota antevia o prazer ao avistar o homem dobrando a esquina. Ele trazia o lanche para todos. O pacote de café era da marca Globo que, nos anos 1930, oferecia de brinde uma barra de chocolate, também chamada Globo.
Minha mãe - que já viveu 39 milhões e 420 mil minutos – reteve no disco rígido: o avô se aproximando e pondo nas suas mãos o chocolate. Hoje, seus olhos lampejam ao memoriar o gesto do mouro, o doce na boca.
O contar dela me faz lembrar da Tabacaria do Fernando Pessoa: “Come chocolates, pequena; Come chocolates! Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates”.
Recordar é recortar.
4 de mai. de 2009
memória beta
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2 comentários:
Os textos são deliciosos! as ilustrações compõem um todo harmonioso!
adorei
maria das graças cassarotto pontin
Recordar é recortar!
Nunca tinha pensado.
Um achado.
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