23 de nov. de 2010
17 de nov. de 2010
15 de nov. de 2010
12 de nov. de 2010
11 de nov. de 2010
Preconceito e literatura
Flávio Paiva para o Diário do Nordeste
Como se não bastassem as travas contra a imaginação que uma certa categoria de livros paradidáticos vem causando às crianças, agora chega o Conselho Nacional de Educação (CNE) para extremar o politicamente correto com um parecer que recomenda a suspensão de Monteiro Lobato dos ambientes escolares. A alegação é que a literatura do autor do Sítio do Picapau Amarelo, sobretudo o livro “Caçadas de Pedrinho” apresenta expressões preconceituosas com as quais a baixa qualidade dos professores brasileiros não estaria preparada para lidar.
A junção certamente irrefletida da pobreza analítica do tema com o tratamento desrespeitoso dado às pessoas que ensinam neste País, para poder justificar o afastamento da obra de Lobato das bibliotecas e salas de aula, reflete a vulnerabilidade da clareza conceitual que ronda o âmbito das nossas políticas públicas para uma educação antirracista. Qualquer educador com o mínimo de sensibilidade sabe o quanto existe de oportunidade pedagógica nas contradições explicitadas em situações conflituosas como as que regem a relação da boneca Emília com a Tia Nastácia, que é a sua mãe de confecção.
No anseio de corrigir uma irracionalidade de cunho étnico, modelada em três séculos de escravidão do Brasil colonial, os promotores da igualdade racial extrapolam muitas vezes os limites da razoabilidade. Atacar um clássico da literatura, como se houvesse um dolo, uma intenção de ofensa em suas palavras, transforma o ativista em déspota. Dessa forma, mais do que o sentido específico do parecer do CNE, o que chama a atenção e preocupa é o fenômeno do destempero incutido nesse ato de exceção que atinge a mais livre das expressões estéticas, que é a literatura.
Esse tipo de movimentação, que faz parte de um pacote de atitudes segregacionistas importadas dos movimentos sociais estadunidenses, onde o racismo é institucionalizado, aponta para o risco de engessamento da pedagogia em nome da idealização de um comportamento destituído de preconceitos entre os seus diferentes grupos sociais. O ataque às obras do Sítio demonstra que essa reconstrução ideológica, que em um primeiro momento parece utópica, tende mesmo a degringolar para a distopia, para o pesadelo da apartação lastreado em um processo discursivo incoerente.
Por sorte o fato envolveu a figura do escritor Monteiro Lobato, que já está calejada de sofrer esse tipo de ataque, pelos mais distintos motivos, embora sempre com um incômodo comum: sua literatura infantojuvenil desacomoda por ser autêntica, sincera e transformadora. Esses atributos são insuportáveis para quem arvora do status de detentor da moral da vez. Foi assim quando o Visconde de Sabugosa descobriu petróleo no quintal da Dona Benta, o que contrariou o monopólio da indústria petrolífera estrangeira, e pode estar sendo assim, caso por trás dessa tentativa de banimento escolar do célebre autor brasileiro, haja o dedo das multinacionais que avançam no mercado editorial no País.
Não custa nada desconfiar. Afinal, a história da queima de livros, inclusive os de Lobato, tem sua gênese em solo político e comercial. A professora e pesquisadora mineira Angelina Castro, autora do livro “Educação, ética e estética na obra infantil de Monteiro Lobato” (Tradição Planalto, 2010), traz à memória vária das razões que levaram à retirada das obras do Sítio das escolas, entre elas as cenas de antropofagia em “Hans Staden” e o questionamento do descobrimento do Brasil em “História do mundo para as crianças”. Curiosamente, as perseguições anteriores ao livro “Caçadas de Pedrinho” foram feitas por incômodo à crítica que a obra faz à política e aos processos burocráticos brasileiros.
Enquanto de um lado o parecer do CNE orienta que “Caçadas de Pedrinho” “só deve ser utilizada no contexto da educação escolar quando o professor tiver a compreensão dos processos históricos que geram o racismo no Brasil” (Parecer 015/2010, pág. 2), o que no dito popular seria como recomendar a morte imediata da vaca para acabar com os carrapatos, Angelina é de opinião que a polêmica atual sirva exatamente para pôr de lado essa noção preconceituosa contra a liberdade literária e abra caminhos para que uma reforma cognitiva propicie o espírito observador e crítico de que tanto carece a nossa escola.
Em que pese à existência natural de expressões de época, a atualidade da obra de Monteiro Lobato é impressionante. A cada dia nos aproximamos mais do Sítio do Picapau Amarelo, tomando como referência a intenção literária do autor na criação do Brasil ideal. O exemplo mais presente dessa característica é a eleição de Dilma Rousseff para a presidência da República. Como assim? Na literatura de Lobato, o Brasil ideal está desde o início comandado pela lógica do poder feminino, na figura da Dona Benta; enquanto no Brasil real, somente agora vamos experimentar pela primeira vez na história da República o País ser dirigido por uma mulher.
O Brasil está precisando mais de literatura que instigue a pensar do que de pesquisadores obtusos e burocratas que querem impor suas razões cartesianas ao mundo escolar. E tem mais: essa conversa de que educadores e crianças não estão preparados para lidar com situações literárias que podem ser embaraçosas a determinadas identidades mais parece aquele discurso do Pelé de que o povo não sabe votar. A falta de interação entre os órgãos de educação e cultura não só deixa o equipamento escolar à mercê do mercado, como distancia a educação da função simbólica da nossa vida cultural.
As orientações do CNE para que as obras que apresentam possibilidades de “representações negativas sobre a cultura popular, o negro e o universo afro-brasileiro” (p. 5) sejam rejeitadas ou obrigadas a ter notas explicativas à luz dos estudos atuais e críticos, configura-se como uma imposição desnecessária, considerando o quanto esse tipo de restrição à criação literária abre de precedente. Rute Albuquerque, coordenadora do Programa de Educação do Núcleo de Estudos Negros, de Florianópolis, procura contemporizar, colocando-se ao mesmo tempo a favor do parecer e a favor de Lobato. Seu argumento é que a leitura deve atender acima de tudo à interpretação do que por vezes pode estar disfarçado por adornos criativos.
A escritora gaúcha, Lígia Bojunga, se pronunciou sobre o caso, chamando a atenção para o contrassenso que ele traz com relação aos avanços dos estudos literários sobre a noção do que se passa na cabeça do leitor quando seus olhos estão em um livro. Ela lamenta que, como está acontecendo atualmente com relação à obra de Monteiro Lobato, de vez em quando educadores de todas as instâncias manifestem desconfiança da capacidade que os leitores têm de se posicionarem “de forma correta” diante do que lêem. Essa liberdade do leitor está associada ao seu universo de conhecimento, aos saberes que embalam suas crenças, ao seu modo de vida e ao seu grau de escolaridade e acesso à informação.
Os livros de Lobato estão entre os que educam pelo viés da cultura, por isso possibilitam um constante exercício do contraditório e dão espaço para a imaginação no processo cognitivo. O autor primou em sua literatura pelo exercício do pensamento e do diálogo e não por discernimentos de empréstimo, pretensamente sistematizados em conteúdos previamente estabelecidos como corretos. No Sítio do Picapau Amarelo, assim como nas escolas do Brasil ideal, ensinar a pensar é mais importante do que ensinar pensamentos.
flaviopaiva@fortalnet.com.br
18 de out. de 2010
13 de out. de 2010
7 de out. de 2010
Marina,... você se pintou?
Marina, morena Marina, você se pintou diz a canção de Caymmi। Mas é provável, Marina, que pintaram você. Era a candidata ideal: mulher, militante, ecológica e socialmente comprometida com o grito da Terra e o grito dos pobres, como diz Leonardo.
Dizem que escolheu o partido errado। Pode ser. Mas, por outro lado, o que é certo neste confuso tempo de partidos gelatinosos, de alianças surreais e de pragmatismo hiperbólico? Quem pode atirar a primeira pedra no que diz respeito a escolhas partidárias?
Mas ainda assim, Marina, sua candidatura estava fadada a não decolar। Não pela causa que defende, não pela grandeza de sua figura. Mas pelo fato de que as verdadeiras causas que afetam a população do Brasil não interessam aos financiadores de campanha, às elites e aos seus meios de comunicação. A batalha não era para ser sua. Era de Dilma contra Serra. Do governo Lula contra o governo do PSDB/DEM. Assim decidiram as famiglias que controlam a informação no país. E elas não só decidiram quem iria duelar, mas também quiseram definir o vencedor. O Estadão dixit: Serra deve ser eleito.
Mas a estratégia de reconduzir ao poder a velha aliança PSDB/DEM estava fazendo água। O povo insistia em confirmar não a sua preferência por Dilma, mas seu apreço pelo Lula. O que, é claro, se revertia em intenção de voto em sua candidata. Mas os filhos das trevas são mais espertos do que os filhos da luz. Sacaram da manga um ás escondido. Usar a Marina como trampolim para levar o tucano para o segundo turno e ganhar tempo para a guerra suja.
Marina, você, cujo coração é vermelho e verde, foi pintada de azul। Azul tucano. Deram-lhe o espaço que sua causa nunca teve, que sua luta junto aos seringueiros e contra as elites rurais jamais alcançaria nos grandes meios de comunicação. A Globo nunca esteve ao seu lado. A Veja, a FSP, o Estadão jamais se preocuparam com a ecologia profunda. Eles sempre foram, e ainda são, seus e nossos inimigos viscerais.
Mas a estratégia deu certo। Serra foi para o segundo turno, e a mídia não cansa de propagar a vitória da Marina. Não aceite esse presente de grego. Hão de descartá-la assim que você falar qual é exatamente a sua luta e contra quem ela se dirige.
Marina, você faça tudo, mas faça o favor: não deixe que a pintem de azul tucano। Sua história não permite isso. E não deixe que seus eleitores se iludam acreditando que você está mais perto de Serra do que de Dilma. Que não pensem que sua luta pode torná-la neutra ou que pensem que para você tanto faz. Que os percalços e dificuldades que você teve no Governo Lula não a façam esquecer os 8 anos de FHC e os 500 anos de domínio absoluto da Casagrande no país cuja maioria vive na senzala. Não deixe que pintem esse rosto que o povo gosta, que gosta e é só dele.
Dilma, admitamos, não é a candidata de nossos sonhos। Mas Serra o é de nossos mais terríveis pesadelos. Ajude-nos a enfrentá-lo. Você não precisa dos paparicos da elite brasileira e de seus meios de comunicação. Marina, você já é bonita com o que Deus lhe deu.
Maurício Abdalla
Professor de filosofia da UFES
1 de out. de 2010
2 de jul. de 2010
30 de jun. de 2010
10 de jun. de 2010
a bola é uma ampulheta
Fernanda Pompeu
O tempo flui, nos levando rio abaixo. Receber o telefonema da amiga, anunciando que seu terceiro neto nasceu, é um choque. Principalmente se essa amiga foi companheira de puberdade. Natais e 31 de dezembros também são ponteiros gigantes marcando o disparo dos anos.
Um filósofo ocasional já disse: “Não é o tempo que passa, nós é que passamos”. Se, ao menos, ficássemos mais jovens, vigorosos, entusiasmados. Mas experimentamos que não é assim. Avarento, o tempo cobra impostos cada vez mais abusivos. Taxas de osso, de coração, de pressão. E a mais alta delas: taxa de memória.
Por mim, não ficaria lembrando que a morte está mais vizinha. Mas eis que vem a Copa do Mundo – essa emoção coletiva que rola de quatro em quatro anos. Uma copa faz a gente lembrar da anterior, da anterior da anterior, da anterior da anterior da anterior... Só nessa brincadeira, foram-se muitos anos.
A primeira emoção futebolística que recordo foi a de 1962. Transmitida pelo radinho de pilha. Nela, estavam Garrincha e Pelé. Claro que eu era uma garotinha. Mas já adolescentava na fabulosa Copa de 1970! Dessa, lembro quase tudo: os gols, o prédio em Niterói sacolejando, a comemoração delirante depois dos 4 a 1 em cima dos carcamanos.
Agora vem a da África do Sul. Já grafitei os jogos da canarinha na agenda. Já cruzo os dedos para São Jorge iluminar as chuteiras da pátria. Como sempre, vou torcer. Porque sou dessas que acreditam que a torcida ganha o jogo sim.
Também, inevitável, começo a pensar na próxima Copa, a de 2014 no Brasil. Como também inevitável é cruzar os dedos para estar por aqui.
dois bois
Fernanda Pompeu
Está fora de moda falar da classe média. Parece que virou uma categoria fluida. Os sociólogos fogem dela como Jesus deveria ter fugido da Cruz. Mas, para mim, a classe média, independentemente dos critérios de renda, é um jeito de sentir e se colocar diante dos espantos do mundo.
Um dos maiores medos da classe média é se confundir com o povo. Daí o horror ao brega, às roupas não combinadas, aos tênis clonados. No fundo, seu maior pesadelo é descender. É ficar pobre.
O contrário, o grande sonho, é ascender. Ficar rico. Certamente, é muito mais difícil virar rico do que pobre. Isso aumenta a angústia. E o desejo de se diferenciar do povão e das expressões populares se torna necessidade.
Foi com esse espírito classe média que, faz um par de anos, desembarquei em Parintins, Amazonas. Minha missão era escrever, para a revista da TAM, uma matéria sobre os bastidores do festival do boi-bumbá. Cheguei cheia de ideias pré-armadas. Entre elas, um menosprezo atávico pela arte popular.
Preciso contar que caí do cavalo? Ao visitar os barracões dos bois Caprichoso e Garantido, fui apresentada à exuberância da criatividade dos artistas, costureiras e técnicos de Parintins. Num clarão, compreendi que o sal da arte popular é o seu despudor em misturar.
Tanto faz se a referência vem da arte grega ou da cerâmica de Marajó ou dos objetos de plástico moldados nas fabriquetas do país. Nada importa se lá o designer ainda é chamado de desenhista, se o conteúdo todavia é chamado de texto.
O que vale mesmo é a qualidade da ópera. Vale o momento em que Garantido e Caprichoso farão sua aparição no bumbódromo. A vitória de cada um deles é arrancar o delírio supremo, em outras palavras, a alegria popular.