Fernanda Pompeu
Está fora de moda falar da classe média. Parece que virou uma categoria fluida. Os sociólogos fogem dela como Jesus deveria ter fugido da Cruz. Mas, para mim, a classe média, independentemente dos critérios de renda, é um jeito de sentir e se colocar diante dos espantos do mundo.
Um dos maiores medos da classe média é se confundir com o povo. Daí o horror ao brega, às roupas não combinadas, aos tênis clonados. No fundo, seu maior pesadelo é descender. É ficar pobre.
O contrário, o grande sonho, é ascender. Ficar rico. Certamente, é muito mais difícil virar rico do que pobre. Isso aumenta a angústia. E o desejo de se diferenciar do povão e das expressões populares se torna necessidade.
Foi com esse espírito classe média que, faz um par de anos, desembarquei em Parintins, Amazonas. Minha missão era escrever, para a revista da TAM, uma matéria sobre os bastidores do festival do boi-bumbá. Cheguei cheia de ideias pré-armadas. Entre elas, um menosprezo atávico pela arte popular.
Preciso contar que caí do cavalo? Ao visitar os barracões dos bois Caprichoso e Garantido, fui apresentada à exuberância da criatividade dos artistas, costureiras e técnicos de Parintins. Num clarão, compreendi que o sal da arte popular é o seu despudor em misturar.
Tanto faz se a referência vem da arte grega ou da cerâmica de Marajó ou dos objetos de plástico moldados nas fabriquetas do país. Nada importa se lá o designer ainda é chamado de desenhista, se o conteúdo todavia é chamado de texto.
O que vale mesmo é a qualidade da ópera. Vale o momento em que Garantido e Caprichoso farão sua aparição no bumbódromo. A vitória de cada um deles é arrancar o delírio supremo, em outras palavras, a alegria popular.
10 de jun. de 2010
dois bois
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