Fernanda Pompeu
Um dia fora de Sampa foi o suficiente para aniquilarem uma casa da rua vizinha à minha. Quando voltei do litoral, dei de cara com o nada. Essa casa ficou à venda por três anos. Daí alguém comprou e, com muitos reais sobrando, planejou: vou botar tudo no chão e erguer os quartos, as salas, os banheiros, a varanda dos meus sonhos.
Meu espanto foi com a velocidade do fato: quanto é fácil destruir, derrubar, desmontar, desfazer, delinquir. Quanto tempo precisa para construir uma casa? Um ano? Um ano e meio? Quanto tempo se gasta para derrubá-la? Dezesseis horas? Dezessete horas e treze minutos?
Impossível se furtar às analogias. Quantas décadas para aperfeiçoar uma democracia? Quantas semanas para instaurar uma ditadura? E um texto? Um dia inteiro para redigir cinco parágrafos curtos? Quatro minutos para ler e passar para outro assunto?
Mas a pergunta mais intrigante é quanto tempo levamos para esquecer?
Na minha adolescência, estudei num colégio que funcionava em um casarão. Havia salas enormes, escadarias de madeira que rangiam sob o tropel das alunas. Havia um auditório com portas laterais que se abriam para um alpendre. No pátio do recreio, árvores carregadas de frutas. Tinha também um refeitório magnífico.
Derrubaram tudo em duas semanas. Necessitaram de dois anos para pôr no lugar um prédio de supermercado. Feio na sua arquitetura de quadrado. Opressivo na sua ausência de janelas, árvores, graça.
Um mastodonte a mordiscar as ranhuras da memória.
3 de mai. de 2010
derrumbes
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4 comentários:
o pior são as lembranças que perpetuam nessas paredes e que de repente viram pó.
Que bom você por aqui Fernanda, tirando as teias deste blog abandonado.
baaaahhh... eu até li o texto, mas... eu venho aqui mesmo é pra babar na arte do mestre Carvall.
Demais! A simplicidade é a coisa mais difícil de se alcançar na arte. E o senhor faz isso de forma genial.
Adorei a sacada da mesma cara pro condutor do trator e a cara gigante sendo "arrastada".
fala Bob!
Grato pelo mestre!
Um grande abraço!
Carvall
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