13 de nov. de 2009

O caso do vestido






Amanda Andrade

Uma estudante tomou todos os noticiários do país nas duas últimas semanas. E se enganam os que pensam que foi por alguma pesquisa desenvolvida em sua área de estudo, algum destaque em alguma produção inovadora. O absurdo é tão explicito que fica difícil de acreditar que o motivo de toda essa movimentação é por conta de seu vestidinho rosa.
Essa história é um grande festival de atitudes erradas. Começamos pela própria Geisy. Para eu que sou mulher, não há nada pior que a banalização da feminilidade. As mulheres tem sido representadas pela mídia através de seus corpos, na maioria das vezes semi-nus. Não tenho nada contra a nudez, mas muito contra a imagem de que a mulher só existe se seu corpo estiver dentro dos padrões de beleza. Não há reconhecimento das grandes mulheres que realmente fazem diferença na história da humanidade. Mulher hoje em dia é carne de açougue, que deve ser totalmente exposta para deleite de seus apreciadores.
Mas o que muito me chama atenção neste caso é que a própria estudante confessou já ter ido com vestido e saias mais curtos para a faculdade. Por que será que naquele dia ela foi tão hostilizada? Com aqueles trajes ela sinceramente não queria passar desapercebida. E digo mais: iria totalmente a favor dela se não fosse seus comentários em diversos programas de televisão se juustificando e quase se beatificando. Eu acredito na sinceridade e no caráter das pessoas e essa moça simplesmente não os possui.
Porém, apesar de toda a situação, nada justifica o ato marginal dos outros alunos presentes naquela situação. Estudantes universitários que poderiam ser facilmente comparados com aborígenes selvagens. Eles perderam total razão (se é que existia) no momento em que impediram a moça de se locomover, de tentar fugir de tamanho escândalo.
A faculdade também se mostrou fraca e incoerente em sucessivos atos de desacordo, sendo motivados unica e exclusivamente pelos comentários da imprensa.
Fico pensando se todas essas pessoas é que farão o futuro do país. E tenho medo.

chronos







Fernanda Pompeu


Em 1989, no bairro judeu-coreano-paulistano do Bom Retiro, quando as Oficinas Culturais Oswald de Andrade ainda se chamavam Três Rios, participei de um curso de redação literária. O escritor João Silvério Trevisan era o professor.
A turma, uma matilha de jovens. Ávidos para abocanhar os atalhos (não os caminhos) que nos levassem da febre da ideia ao texto perfeito. Tínhamos pressa de grana e fama.
Quanto aos colegas, não sei. Eu, com a escrita, só consegui trabalho duro e trabalho duro. Mas muito aprendi. O principal: só quem trilha os caminhos, descobre os atalhos.
No último dia do curso, em aula de avaliação, João Silvério sugeriu que eu abraçasse a arte da crônica. A matilha concordou. Besta então, tapei os ouvidos. Meu modelo de escritora era o do romancista, criador de tramas polifônicas de grande fôlego.
Achava a crônica um gênero minguado. A vida deu cambalhotas e, nos últimos anos, sou cronista até a medula. É uma delícia dedicar-me ao texto curto, coloquial e leve como filhote de passarinho.
Poderia ter agarrado esse gênero – útil e fútil, como alguém já definiu, - há muito mais páginas. Porém, cai na esparrela de que o sonho é mais digno que a vigília e o ideal superior ao real.
Não são.